Por João Carlos BarradasSobra muito pouco tempo ao novo primeiro-ministro grego, George Papandreou, para tentar desbloquear o impasse nas negociações para a reunificação de Chipre.
O líder socialista distingiu-se à frente da diplomacia de Atenas a partir de 1999 pelos esforços de normalização das relações com a Turquia e o apoio ao plano de reunificação de Chipre proposto pela ONU até ter sido afastado pelo novo ciclo de governação dos conservadores da Nova Democracia em Março de 2004.
O plano de Kofi Annan de criação de uma confederação na ilha dividida desde 1974 foi a referendo a 24 de Abril de 2004 e, apesar de aprovado pelos Cipriotas turcos, acabou rejeitado pelos Cipriotas gregos, precisamente uma semana antes da entrada formal de Chipre na União Europeia.
Bloqueios e vetos
A questão cipriota é um dos obstáculos maiores nas negociações de adesão da Turquia à União Europeia, encetadas em Outubro de 2005.
Apenas um dos 35 capítulos do processo formal de negociações foi concluído - "Ciência e Pesquisa" -, outros oito entretanto abertos estão congelados desde 2006 devido ao diferendo sobre tráfego em portos e aeroportos cipriotas, e a discussão do dossier "Energia" bloqueada pelo veto de Atenas.
O chefe do governo socialista em Atenas pode precisamente começar por pressionar para o levantamento deste veto para tentar desbloquear a recusa turca em permitir o tráfego de navios e aviões cipriotas gregos à parte Norte da ilha nos termos do acordo firmado com a União Europeia em 2005.
Qualquer iniciativa vinda da parte grega chegará já demasiado tarde para impedir a avaliação negativa da Comissão Europeia, a anunciar no próximo dia 14, quanto ao evoluir das negociações, dado que Ancara recusa o compromisso de abertura parcial de apenas um porto e um aeroporto no Norte da ilha sem que os 27 permitam simultaneamente o tráfego comercial por parte dos Cipriotas turcos.
Até ao Conselho Europeu de Dezembro alguma coisa poderá, no entanto, mudar de forma a permitir um compromisso entre o presidente cipriota grego Demetris Christofias e o seu homólogo turco Mehmet Ali Talat, que desde Setembro do ano passado têm negociado formalmente, sob mediação europeia e do enviado da ONU, o antigo ministro australiano dos negócios estrangeiros Alexander Downer.
As conversações bloquearam em Abril quando o Tribunal Europeu de Justiça reconheceu os direitos de Cipriotas gregos sobre propriedades em disputa na República Turca do Norte de Chipre, cuja declaração de independência em 1983 foi apenas reconhecida por Ancara.
Na mesma altura a direita nacionalista do Partido da Unidade Nacional triunfava na eleições para o parlamento, retirando a maioria aos sociais-democratas de Ali Talat e pondo em causa a sua reeleição nas presidenciais de Abril do próximo ano.
Todos perdem
A convergência entre Talat e Christofias - um histórico dos comunistas cipriotas gregos que ao ser eleito em Fevereiro de 2008 iniciou imediatamente contactos com o homólogo turco - corre o risco de vir a desaparecer para dar lugar a reiterados irredentismos nacionalistas.
Sem acordo de partilha de poder entre as duas comunidades a eventual retirada das tropas turcas - presentes no terço norte da ilha desde a invasão de 1974 em resposta ao golpe de estado da extrema-direita nacionalista grega apoiada pela Junta Militar em Atenas - ficará comprometida e a liberdade de movimento de pessoas, bens, capitais e serviços, tal como praticada na União Europeia sem efeito.
Para os 780 mil habitantes da República de Chipre (sendo 640 mil identificados como Cipriotas gregos) novo fracasso nas negociações sairá caro pois, além de arredar eventuais acordos de indemnizações quanto a propriedades perdidas no norte da ilha, redundará num maior isolamento no seio da União Europeia.
Para os 260 mil residentes turcos no norte da ilha (entre eles mais de 70 mil imigrantes turcos) a ausência de um acordo implicará uma dependência acrescida da Turquia na impossibilidade de desenvolverem contactos directos com o bloco da União Europeia.
As negociações de adesão da Turquia à União Europeia, por sua vez, entrarão em colapso e, as consequências quanto a estratégias para o sector energético ou cooperação com a NATO far-se-ão sentir no conjunto do bloco europeu.
O estranho caso de Chipre em que um país candidato à União Europeia recusa reconhecer um dos 27 estados membros, em que dois membros da NATO - Turquia e Grécia - se afrontam indirectamente por via de irredentismos étnicos, onde um terceiro - o Reino Unido - mantém bases militares, e em que todas as partes têm a perder com a continuação do diferendo, é um exemplo singular de como um secular domínio otomano caído nas mãos do império britânico, acaba por se tornar palco de um confronto étnico-religioso.
(Fonte: Jornal de Negócios)