No forum de ideias Socialismo 2007, o historiador François Georgeon fez uma comunicação dirigida à compreensão das características da laicidade imposta por Atatürk, ideólogo e construtor do actual Estado turco em 1923. Sublinhou a ideia de que esta laicidade, inspirada por ideias da revolução francesa, teve características próprias tendo-se tornado uma das marcas da própria identidade nacional. Miguel Portas abordou o projecto europeu, lembrando algumas etapas na evolução da CEE para a UE actual. Frisou que o actual projecto europeu de esquerda passa pela defesa duma união política culturalmente inclusiva e não apenas económica. Por isso a decisão final sobre a adesão deve caber ao povo turco.
François Georgeon começou por afirmar que uma perspectiva histórica é necessária para desconstruir os reflexos duma série de ideias feitas sobre a cultura turca, fruto de visões essencialistas e eurocêntricas sobre a Turquia. A esta visão simplista e redutora contrapôs uma visão histórica rica e profundamente informada que facilita uma abordagem à contemporaneidade deste Estado pouco conhecido dos Portugueses.
A Turquia é um estado jovem (as fronteiras actuais datam do armistício de 1939, na sequência portanto da segunda guerra mundial) com uma antiquíssima história e uma grande diversidade cultural e pluralidade nacional: os primeiros vestígios de escritos turcomanos datam dos séc. VII a VIII e foram encontrados nas margens do lago Baikal no sul da Sibéria.
Com o império otomano era o poder político que controlava a hierarquia religiosa, o islamismo era a religião seguida pela maior parte da população. O laicismo de
Mustafa Kemal Atatürk (1888-1938), conhecido como "o pai dos Turcos" e criador da República turca, foi certamente influenciado pelo ideário revolucionário francês. Mas o kemalismo prolonga sim essa forma de controle não estabelecendo separação entre poderes, assumindo portanto características diferentes do laicismo francês, e contribuindo para o reforço desse novo poder central.
Nesta linha ideológica, a religião deveria passar a ficar confinada à esfera privada, tendo certas formas de religiosidade tradicional passado a ser encaradas como retrógradas e associadas a uma "Idade Média". Velhos tempos se queriam deixar para trás em nome do progresso e duma ocidentalização reclamada como valor intrínseco à própria cultura turca e sustentada por uma longa vizinhança na Europa.
Disto resulta que, na análise de Georgeon, a europeização não é uma realidade recente estando pelo contrário associada à própria ideia da formação do Estado turco.
Miguel Portas, deputado europeu pelo Bloco, referiu o processo da evolução da CEE para a União Europeia. Começou por abordar os critérios de Copenhaga para o alargamento (estabilidade das instituições e garantia da democracia e do Estado de direito; respeito pelos direitos humanos incluindo os das minorias; existência duma economia de mercado). Fez notar que se os mesmos critérios usados para tentar impedir a adesão da Turquia tivessem sido aplicados aos actuais membros, alguns deles certamente não teriam sido aceites. E que a decisão final e fundamental passa pela expressão da própria vontade livremente expressa pelo povo turco.
Referiu o enorme apetite por este novo mercado, tal como noutras adesões, e a necessidade de amortecer financeiramente os custos sociais de tal integração. Que as condições políticas e económicas são muito diferentes das dos estados membros, com uma tutela militar e sem verdadeira democracia, tendo o estado um forte controle sobre a economia que passa pelas máfias económicas. Acrescentou que as esquerdas curdas estão persuadidas que a adesão poderá dar um contibuto para a abertura política do regime e para a luta por uma verdadeira democracia e pelos direitos dentro do país. O mesmo se poderá dizer sobre a questão cipriota.
François Georgeon é historiador e especialista em estudos otomanos e turcos do CNRS (instituição nacional de investigação françesa).