Em plena campanha eleitoral e a apenas três semanas da abertura das urnas, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o presidente russo, Vladimir Putin, inauguraram a primeira central nuclear da Turquia numa cerimónia virtual, gesto que aproximou ainda mais os dois vizinhos do Mar Negro.
No mês passado, foi feita a primeira entrega de combustível nuclear na central de Akkuyu, na província de Mersin, que é a primeira do mundo a ser construída, detida e explorada por uma única empresa - a empresa estatal russa de energia atómica Rosatom.
Com isso, a Turquia aumentou a sua dependência energética de Moscovo, numa altura em que os seus aliados da NATO estavam a reduzir esses laços para privar a Rússia de influência contra eles. A presença de Moscovo na Turquia foi reforçada a longo prazo, precisamente no momento em que Erdogan se prepara para participar numa eleição que, segundo algumas sondagens, o poderá afastar do poder.
O reforço dos laços entre Erdogan e Putin causou nervosismo no Ocidente, com alguns a observarem as próximas eleições na expectativa de uma possível saída de Erdogan.
O homem forte turco sabe disso. Quando, em março, o embaixador dos EUA em Ancara, Jeff Flake, visitou o seu principal rival eleitoral, Kemal Kiliçdaroglu, Erdogan atacou-o, chamando à visita do diplomata norte-americano uma "vergonha" e avisando que a Turquia tem de "dar uma lição aos EUA nestas eleições".
As sondagens sugerem uma corrida apertada entre Erdogan e Kiliçdaroglu, com a probabilidade de as eleições de 14 de maio irem a uma segunda volta se nenhum candidato obtiver a maioria dos votos.
Mas os analistas afirmam que, mesmo que Erdogan seja derrotado nas urnas, uma reviravolta na política externa da Turquia não é um dado adquirido. Enquanto figuras próximas da oposição consideram que, em caso de vitória, a Turquia será reorientada para o Ocidente, outros dizem que as questões fundamentais da política externa provavelmente permanecerão inalteradas.
Ao longo das últimas duas décadas, a Turquia de Erdogan reposicionou-se de uma nação secular e orientada para o Ocidente para uma nação mais conservadora e orientada para a religião. Membro da NATO, e com o segundo maior exército da Aliança, reforçou os seus laços com a Rússia e, em 2019, chegou mesmo a comprar-lhe armas, desafiando os EUA. Erdogan tem levantado suspeitas no Ocidente ao continuar a manter laços estreitos com a Rússia, enquanto esta prossegue a sua ofensiva na Ucrânia, e foi uma dor de cabeça para os planos de expansão da NATO ao impedir a adesão da Finlândia e da Suécia.
No entanto, a Turquia também tem sido útil aos seus aliados ocidentais durante o governo de Erdogan. No ano passado, Ancara ajudou a mediar um acordo histórico de exportação de cereais entre a Ucrânia e a Rússia e até forneceu à Ucrânia drones que desempenharam um papel importante contra os ataques russos.
"Penso que há áreas em que vamos assistir a mudanças radicais, se a oposição ganhar, e muitos dos nossos colegas e diplomatas europeus em Ancara estão a perguntar até que ponto a Turquia vai voltar a aproximar-se dos seus aliados ocidentais", disse Onur Isci, professor assistente de relações internacionais na Universidade Bilkent, em Ancara, observando que, se a oposição ganhar, a primeira coisa que vai fazer é reparar as barreiras com o Ocidente.
Limites da viragem da Turquia para o Ocidente
Mas, mesmo que as relações com o Ocidente sejam restabelecidas, haverá limites para o regresso da Turquia àquela esfera, dada a profunda interligação entre as economias turca e russa, especialmente no que respeita à energia.
Segundo Isci, grande parte da política externa de Erdogan tem sido orientada por considerações económicas. E é provável que isso continue no próximo governo.
A Turquia é um parceiro comercial fundamental para a Rússia, bem como um centro para milhares de russos que fugiram após a invasão russa da Ucrânia, investindo dinheiro no sector imobiliário e noutros sectores.
O comércio entre os dois países tem vindo a aumentar e, no mês passado, Putin afirmou que a Rússia estava interessada em aprofundar os seus laços económicos com Ancara, referindo que o comércio bilateral ultrapassou os 57 mil milhões de euros em 2022, de acordo com a agência noticiosa estatal russa TASS. Este facto coloca a Rússia entre os maiores parceiros comerciais da Turquia.
No entanto, a União Europeia, enquanto bloco, continua a ser o maior parceiro comercial da Turquia, com o comércio bilateral a atingir cerca de 200 mil milhões de euros, de acordo com a Comissão Europeia. Entretanto, o comércio com os EUA ascendeu a cerca de 31 mil milhões de euros em 2022, de acordo com o Gabinete dos Censos dos EUA.
A proximidade geográfica da Rússia com a Turquia, bem como os seus interesses económicos em Ancara, provavelmente significa que um líder diferente de Erdogan continuará a manter boas relações com Moscovo, enquanto ancora a Turquia nas suas alianças democráticas ocidentais, perspetivou Murat Somer, professor de ciência política da Universidade Koc, em Istambul, à CNN.
"Em termos de perspetivas do país, este será orientado para o Ocidente democrático", afirmou Somer, salientando que tal não significa o fim total das divergências com os países ocidentais.
Após vários atrasos, a Turquia permitiu este ano que a Finlândia aderisse finalmente à NATO, mas continua a impedir a adesão da Suécia, alegando que este país alberga "organizações terroristas" curdas, referindo-se ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que é considerado um grupo terrorista pela Turquia, pelos EUA e pela UE.
As questões relativas à adesão da Suécia podem, no entanto, ser resolvidas com ou sem Erdogan.
"É muito provável que, independentemente de quem ganhe as eleições, Ancara ratifique a adesão da Suécia em 2023, depois de a nova legislação antiterrorista entrar em vigor na Suécia", antecipou à CNN Nigar Goksel, diretor para a Turquia do International Crisis Group.
A oposição tem feito questão de salientar que, para que a adesão da Suécia seja aprovada, são essenciais "medidas construtivas para eliminar as preocupações da Turquia em matéria de segurança".
Mas enquanto as relações com a UE podem melhorar se a oposição ganhar, o caminho pode ser mais longo e mais difícil com os EUA, dizem os especialistas.
"Quando mencionamos a relação da Turquia com o Ocidente por vezes tomamos os dois extremos do Atlântico como se fossem um só", disse Isci. "A relação da Turquia com os EUA chegou a um beco sem saída e tem vindo a deteriorar-se desde há muito tempo."
Quer Erdogan ou a oposição ganhem, acredita Isci, a Turquia vai tentar "desenredar a sua relação com os EUA e a UE", dada a dependência de Ancara dos seus parceiros comerciais europeus.
(Fonte: CNN Portugal)
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