O Governo turco reagiu com indignação à condenação do director do banco estatal Halkbank, Mehmet Hakan Atilla, pelas autoridades norte-americanas, num processo de corrupção que envolve um esquema conjunto com a República Islâmica do Irão para iludir o regime de sanções imposto pelos Estados Unidos. Classificando a decisão judicial como uma “desgraça jurídica”, Ancara contestou a “interferência sem precedentes nos assuntos internos” de um país aliado da NATO e lamentou o caso como um ataque com motivações políticas que vem azedar ainda mais as (já tensas) relações bilaterais.
O Governo de Recep Tayyip Erdogan insurgiu-se contra o processo assim que foram deduzidas acusações contra Mehmet Hakan Atilla e outros oito arguidos (entre os quais o antigo responsável pela pasta da Economia, Zafer Caglayan) num tribunal federal de Nova Iorque. Quer pessoalmente, quer através de vários ministros do seu Governo, Erdogan pôs em causa a legitimidade e até a legalidade do processo, que disse assentar em provas falsas, especialistas escandalosos e magistrados duvidosos – segundo o vice primeiro-ministro, Bekir Bozdag, tratou-se de um complô orquestrado pela CIA, o FBI e a rede do imã Fethullah Gülen, o arqui-inimigo de Erdogan que está exilado nos EUA.
O Presidente ainda não se pronunciou sobre o desfecho do julgamento, mas o seu porta-voz, Ibrahim Kalin, comentou que “um caso escandaloso só podia acabar com um veredicto escandaloso”. O ministro da Justiça, Abdulhamit Gül disse que a Turquia não reconhecia a sentença. Apesar de o nome de Erdogan não figurar directamente no processo, o chefe de Estado não deixou de se ver afectado pelo caso, uma vez que foi entendido que o esquema ilícito decorreu com o seu conhecimento e aprovação.
Mehmet Hakan Atilla, que supervisiona o departamento internacional do banco estatal foi condenado pelos crimes de fraude bancária e conspiração para violar as sanções ao Irão e defraudar os EUA, enfrentando uma pena de prisão que ultrapassa os 30 anos. Mas o tribunal não determinou, para já, se o Halkbank será objecto de punições financeiras e administrativas. Num comunicado, a instituição bancária fez questão de lembrar que não estava implicada neste julgamento.
O banqueiro, que se declarou inocente e decidiu recorrer da sentença, esteve sozinho durante o julgamento: enquanto sete dos arguidos estão fugidos da justiça, um dos imputados no esquema assinou um acordo para colaborar com os procuradores na qualidade de testemunha da acusação.
Reza Zarrab, um cidadão turco-iraniano que negoceia em ouro, explicou a forma como os dirigentes do banco Halkbank, apoiados por elementos do Governo turco e do regime iraniano, puseram de pé uma operação que lhes permitiu aceder a milhões de fundos de petrodólares que estavam restritos no âmbito das sanções aplicadas pelos EUA a Teerão.
A operação, depôs Zarrab, foi comunicada a Erdogan em 2012. Nessa altura, o líder turco ocupava o cargo de primeiro-ministro: segundo disse o “arrependido” – que admitiu ter lucrado 150 milhões de dólares com a participação no esquema – Erdogan terá dado ordens para envolver dois bancos do seu país em transacções falsas de produtos agrícolas e outros bens com entidades que escondiam o comércio de petróleo vedado pelo Tesouro norte-americano.
A condenação de Atilla poderá ser lida como um “embaraço” para Erdogan, mas os analistas políticos não esperavam quaisquer consequências políticas do processo. “Em primeiro lugar, a corrupção não é um tema muito sensível para a população turca. E o Governo foi capaz de usar o actual sentimento anti-americano a seu favor ao referir-se a este caso como uma conspiração contra a Turquia”, disse ao The New York Times o director do Centro de Estudos da Turquia do Instituto do Médio Oriente, Gonul Tol.
No entanto, os analistas financeiros alertaram para o impacto que o caso poderia ter na banca turca – e o efeito negativo para o sistema bancário e a economia do país. Antes do anúncio da decisão do tribunal nova-iorquino, o ministro das Finanças da Turquia, Naci Agbal, garantiu que Ancara faria “tudo o que fosse necessário” para proteger o seu sector bancário. “Aconteça o que acontecer, estaremos do lado dos nossos bancos”, disse à Reuters.
(Fonte: Público)
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