10 fevereiro 2008

Nova votação parlamentar voltou a aprovar o véu islâmico nas universidades mas a contestação continua



O Parlamento turco aprovou ontem por 411 votos a favor e 103 contra uma alteração à Constituição que põe fim à interdição do véu islâmico nas universidades do país. A decisão assinala uma mudança relevante no plano político e social na Turquia e surge num momento em que questões semelhantes se colocam em vários países europeus.

Ontem, em Ancara, votaram a favor o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), partido islamita no poder, e o Partido de Acção Nacionalista (MHP), conservador. A principal formação a votar contra foi o Partido Republicano do Povo (CHP), criado por Kemal Atatürk, o fundador da Turquia moderna. A votação no Parlamento de Ancara permite a revogação de legislação restritiva adoptada no início dos anos 90, mas que não era rigorosamente aplicada nos anos mais recentes. Um dos argumentos para a mudança foi a de que o carácter da lei afastava as crentes femininas do ensino superior. Mas, várias sondagens têm indicado que, por um lado, se dois terços dos turcos são favoráveis ao fim da interdição, por outro, a principal causa que barra o acesso feminino ao ensino superior são as provas de admissão e não o uso do véu. A decisão do Parlamento tem agora de ser ratificada pelo Presidente Abdullah Gül, um muçulmano conservador cuja mulher é também uma muçulmana devota que se apresenta sempre de véu em público. Sendo Gül um membro do AKP, não há dúvidas sobre o caminho que irá seguir. Em sentido contrário, o CHP já anunciou que vai pedir a anulação ao Tribunal Constitucional, com o argumento de que está em causa a natureza laica da República e de que este é apenas um primeiro passo para a instauração de um regime islâmico. Também o poder judicial pode desencadear mecanismos que bloqueiem esta mudança, tendo os tribunais capacidade para suscitar acções contra os partidos políticos, instrumento que poderão utilizar contra as formações que a votaram favoravelmente, consideravam ontem os analistas. Quinta-feira, o novo presidente do Supremo Tribunal, Hasan Gerçeker, no discurso da sua tomada de posse, avisou que "as reformas legais e constitucionais" não devem ser usadas "para debilitar a laicidade". Para este jurista, o que está em causa "não é o simples problema do véu", é a possibilidade de "um retorno a um sistema marcado pela superstição".

Enquanto o Parlamento votava, depois de na véspera ter discutido a questão durante mais de 12 horas, numa praça próxima manifestavam-se contra a reforma perto de cem mil pessoas, segundo estimativa da polícia. No passado fim-de-semana, outra manifestação junto ao mausoléu de Atatürk criticara a mudança.

As forças armadas turcas, que se assumem declaradamente como garante da natureza laica do regime, não se envolveram neste processo depois de, em Abril de 2007, o chefe de estado-maior general Yasar Büyükanıt ter divulgado uma nota em que lembrava aquela faceta. A dimensão política determinante da nota do general Büyükanıt é que a sua divulgação se verificou após o candidato presidencial do AKP, Abdullah Gül, falhar a eleição para o cargo numa primeira votação no Parlamento. Na época, a candidatura de Gül à Presidência, quando o AKP já detinha o Governo, era classificada nos sectores seculares como um passo na estratégia dos círculos islamitas de transformação da natureza do Estado. Gül acabaria por ser eleito depois da dissolução do Parlamento e de eleições em que o AKP emergiu como claro vencedor.


(Fonte: Diário de Notícias)

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