20 abril 2023

Missão portuguesa pós-sismo liderada pelo Instituto Superior Técnico: uma questão de vontade política e não de legalidade #6

A presente missão de avaliação e reconhecimento pós-sismo na Turquia, tem como propósitos compreender melhor o que falhou em termos técnicos, sociais e políticos, bem como coligir o que se destaca pela positiva e possa servir de aprendizagem ao nosso país. Tem também um objetivo que é o de comunicar, informar o cidadão, por forma a incentivar a mudança de mentalidades e atitudes.

Em Ancara, foi-nos possível ter uma reunião com o Ministério da Saúde da Turquia, para perceber como se conseguiu que o Estado turco exigisse, na última década, que fossem instalados sistemas de isolamento base em hospitais novos que fossem construídos.

Depois do sismo de 1999 e, novamente, da destruição que causou, o Estado turco percebeu que teria de tomar alguma atitude e decisões relativamente à falta de capacidade de resposta dos hospitais perante um sismo.

Em 2007, um aluno de doutoramento turco no Japão, tomou conhecimento destes sistemas de proteção sísmica. Tendo avaliado o potencial da sua aplicação, em conjunto com os seus professores, envidou esforços para que o isolamento sísmico fosse considerado no projeto de hospitais. Um dos seus professores convidou então o ministro da Saúde turco a visitar os hospitais japoneses que possuíam isolamento de base e ver o potencial dessa tecnologia para melhorar o comportamento sísmico destes edifícios. A partir daí os laços estreitaram-se e o conhecimento foi passado para a Turquia.

Desde 2013, o Ministério da Saúde turco tem vindo então a exigir que os novos hospitais públicos com mais de 100 camas, que sejam construídos nas zonas de mais elevado risco (nível 1 e 2), possuam um sistema de isolamento de base e sensores de monitorização do edifício. Na Turquia, tal como em Portugal, os regulamentos técnicos de projeto e construção não obrigam à utilização de isolamento de base. Os edifícios, tal como cá, são construídos para a estrutura não colapsar por completo e para que as pessoas possam evacuar os edifícios após o sismo. No entanto, e particularmente em caso de hospitais, isso não é suficiente, uma vez que os elementos não-estruturais, como equipamentos médicos, sistemas de AVAC, tubagens, paredes divisórias, revestimentos, entre inúmeros componentes e equipamentos que possibilitam o funcionamento de um hospital, podem ser danificados. Para que isso não aconteça, e apesar do regulamento não exigir a utilização de sistemas de isolamento de base nestes edifícios, o Ministério da Saúde turco passou a exigi-la. Imediatamente após a ocorrência de um sismo, a solicitação de cuidados médicos vai disparar. Se não existirem hospitais operacionais, como poderão ser as pessoas socorridas? Como se observou na Turquia, hospitais com isolamento de base permitem dar uma resposta rápida e eficiente à sua população e não perder, em alguns segundos, todo o investimento feito no edifício, nos equipamentos médicos, etc.

O custo dos sistemas de isolamento de base nos hospitais turcos já construídos rondou os 7%-10% do custo do edifício. No entanto, informações sobre edifícios com isolamento de base em Itália e Portugal apontam para valores inferiores. Na avaliação dos custos também é preciso ter em conta outras questões: i) este sistema pode, em alguns casos, permitir poupanças a outros níveis, como por exemplo na estrutura acima do sistema de isolamento, e/ou mais lugares de estacionamento devido a haver menos necessidade de paredes estruturais em caves abaixo do sistema de isolamento, e ii) dado que o custo de todos os equipamentos médicos de um hospital pode ser da ordem de grandeza do custo do edifício, o custo relativo do isolamento de base é residual face ao investimento global (e note-se que protege não só o edifício e as pessoas, mas também os equipamentos médicos, ou seja, protege todo o investimento). Assim, o acréscimo de custo, em termos relativos, de um hospital com isolamento sísmico face a outros sem isolamento, será provavelmente inferior a 5%, sendo mais expectáveis valores da ordem de 2% a 3%. Mas muitíssimo mais importante é: quanto custa a perda total de um hospital numa situação de Emergência, ou seja, quando ele é mais preciso? E as vidas que não pode salvar por ficar inoperacional após um sismo?

Atualmente estão a ser construídos cerca de 65 hospitais nas zonas de risco sísmico mais elevado da Turquia. Todos incluem isolamento de base e um sistema de monitorização por decisão do Governo. E em Portugal, como vai ser?

Mesmo em casos como o do Hospital de Lisboa Oriental em que o projeto, sem isolamento de base, está feito e a obra adjudicada, e em que a alteração desta situação pode implicar outros custos (indemnizações, elaboração de novo projeto), o que está em causa é de tal forma importante, que vale a pena pagar esses custos adicionais.

Nota: Os autores agradecem ao Ministério da Saúde da Turquia, em Ancara, por os ter recebido.

Esta é uma missão não-governamental composta por membros da academia, da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica e de empresas, que se juntou a colegas da Turquia.

Autores:

Mónica Amaral Ferreira e Mário Lopes - Instituto Superior Técnico

Xavier Romão - Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Miguel Sério Lourenço - JSJ Structural Engineering

Cristina Oliveira - Escola Superior de Tecnologia do Barreiro do Instituto Politécnico de Setúbal

Paulo Pimenta - Pretensa Lda.

(Fonte: Expresso)

Sem comentários: