23 maio 2012

O novo rumo da Turquia, por Abdullah Gül

A Turquia tem estado recentemente na vanguarda dos debates económicos e políticos internacionais. Por um lado, apesar da crise económica que subjuga a vizinha Europa, a Turquia permanece a segunda economia com mais rápido crescimento no mundo, depois da China. Por outro lado, quase não existem questões na agenda global – do Iraque e Afeganistão, à Somália, Irão, e à Primavera Árabe, e do desenvolvimento sustentável ao diálogo entre civilizações – em que a Turquia não represente um papel visível.
Este é um fenómeno bastante recente. Até há uma década, a Turquia era vista como não mais do que um firme aliado da NATO. Isso começou a mudar em 2002, quando nasceu uma era de estabilidade política, dando origem a uma visão para uma Turquia mais forte e um firme compromisso na realização dessa visão.
Para tal, os governos da Turquia desde 2002 implementaram reformas económicas ousadas, que prepararam o caminho para o crescimento sustentável e forneceram uma barreira de protecção contra a crise financeira de 2008. Como resultado, em menos de uma década, o PIB triplicou, fazendo da Turquia a 16.ª maior economia do mundo. Além disso, o país beneficia de finanças públicas fortes, política monetária prudente, dinâmica de dívida sustentável, um sistema bancário sólido e mercados de crédito que funcionam bem.
Ao mesmo tempo, aumentámos o âmbito dos direitos individuais, que tinham durante muito tempo sido subordinados a preocupações de segurança. Simplificámos as relações entre civis e militares, garantimos os direitos sociais e culturais, e encarregámo-nos dos problemas das minorias étnicas e religiosas. Estas reformas transformaram a Turquia numa democracia vibrante e numa sociedade mais estável, em paz consigo, e capaz de observar o seu ambiente externo a uma nova luz.
Muito simplesmente, deixámos de ver a nossa geografia ou história como uma maldição ou uma desvantagem. Pelo contrário, começámos a encarar a nossa localização na encruzilhada entre a Europa, a Ásia e o Médio Oriente como uma oportunidade para interagir simultaneamente com múltiplos intervenientes.
Como resultado, começámos a contactar países na nossa vizinhança e para além dela. Tentámos expandir o diálogo político, melhorar a interdependência económica, e fortalecer o entendimento cultural e social. E, embora dez anos sejam muito pouco para uma avaliação definitiva de uma política tão ambiciosa, cobrimos sem dúvida terreno considerável. Por exemplo, só com os nossos vizinhos, quadruplicámos o nosso volume de comércio.
Em várias ocasiões, também temos sido instrumentais na facilitação da paz e da reconciliação. Mas, o que é mais importante, a Turquia tornou-se um modelo de sucesso que muitos países à nossa volta tentam agora imitar.
E no entanto, até há um ou dois anos, alguns peritos políticos perguntavam, "O Que perdeu a Turquia?" ou "Para onde vai a Turquia?" – partindo da tese de que a Turquia mudara o seu eixo da política externa para longe do Ocidente. De facto, a orientação externa da Turquia permaneceu constante, porque assenta nos valores que partilhamos com o mundo livre. O que mudou foi a crescente assertividade nos nossos esforços para assegurar maior estabilidade e bem-estar humano na nossa região, evidente no nosso apoio à liberdade, à democracia, e à responsabilização não só para nós, mas também para outros.
Esta abordagem reflectiu-se na Primavera Árabe, que a Turquia apoiou ardentemente desde o início. Não hesitámos em ficar do lado dos que lutavam pelos seus direitos e dignidade. Na verdade, para países como a Tunísia, o Egipto, a Líbia e o Iémen, que tentam agora institucionalizar a mudança, a Turquia é o seu parceiro mais activo, partilhando a nossa própria experiência e fornecendo assistência tangível na forma de cooperação económica e de construção de capacidade política.
Na Síria, por outro lado, a revolução ainda não se concretizou, devido à repressão brutal do regime sobre os seus oponentes. Todos os dias, dezenas de pessoas morrem aí em busca da dignidade. A Turquia está a fazer tudo o que pode para aliviar o sofrimento do povo sírio. Infelizmente, até agora a comunidade internacional como um todo não tem conseguido fornecer uma resposta eficaz à crise.
A posição da Turquia quanto ao programa nuclear do Irão tem sido analogamente clara: opomo-nos categoricamente à presença de armas de destruição massiva (ADM) na nossa região. Tentativas para desenvolver ou adquirir ADM poderão desencadear uma corrida regional aos armamentos, levando a maior instabilidade e ameaçando a paz e segurança internacionais. É por isso que temos sempre pedido a criação de uma zona livre de ADM no Médio Oriente, incluindo tanto o Irão como Israel. Apoiamos o direito iraniano de usar a energia nuclear para fins pacíficos. Mas o programa do Irão deve ser transparente, e os seus líderes devem garantir à comunidade internacional a sua natureza não-militar. A chave reside em colmatar a falta de confiança e preparar o caminho para um diálogo consequente. Em Abril, acolhemos a ronda inaugural das conversações retomadas entre a comunidade internacional e o Irão.
Sejamos claros: não há uma solução militar para este problema. A intervenção militar apenas complicaria ainda mais o assunto, ao criar novos focos de conflito na nossa região e para além dela.
Neste e noutros assuntos, a Turquia tenta agir como uma "potência virtuosa", o que nos obriga a alinhar os nossos interesses nacionais com valores como a justiça, a democracia, e a dignidade humana, e a conseguir os nossos objectivos de política externa através da cooperação mútua em vez da coerção.
O multilateralismo eficaz constitui uma faceta chave desta visão. A Turquia foi membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas em 2009-2010, e procura agora outro mandato em 2015-2016. Dada a importância crucial dos acontecimentos na nossa parte do mundo, a contribuição da Turquia para o trabalho do Conselho promete ser altamente valiosa.
Em 2015, assumiremos a presidência do G-20, e estamos empenhados em usar os nossos meios e capacidades para torná-lo um órgão de governo global mais eficaz.
A transformação interna da Turquia na última década colocou-a numa posição ideal para beneficiar a região – e consequentemente a comunidade global. Embora tenhamos já conseguido muito, ainda se exige mais de nós. Dados os desafios da nossa vizinhança, e o papel central da região nos assuntos globais, a Turquia não se absterá de assumir novas responsabilidades.

(Fonte: Público)

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