Hoje o partido é da Justiça e Desenvolvimento, mas os islamitas turcos têm sido imaginativos a rebaptizar o seu projecto político: da Salvação Nacional, do Bem-Estar, da Virtude, da Felicidade. Tudo para contornarem os obstáculos criados pela elite laica que dita as regras nesse país muçulmano desde a proclamação da república em 1923. A última arremetida aconteceu há dias, com o supremo tribunal a abster-se - por um voto! - de dissolver um partido que conta com metade do eleitorado e tem como militantes o primeiro-ministro Recep Erdoğan e o Presidente Abdullah Gül. Tudo porque o AKP (Adalet ve Kalkınma Partisi) é suspeito de pôr em causa o laicismo decretado por Kemal Atatürk para lançar a moderna Turquia, nascida das ruínas do império otomano. A decisão do supremo foi a mais sensata. Através de um rude corte no financiamento público do AKP, advertiu Erdoğan para não desafiar o legado de Atatürk, o homem que entendia a Europa como modelo. Mas ao mesmo tempo não derrubou um partido com enorme popularidade, evitando um conflito entre as duas correntes dessa nação de 71 milhões de habitantes, considerada a mais democrática do mundo islâmico e candidata oficial à União Europeia desde 2005. Aliás, tanto Europeus como Americanos (a leal Turquia integra a NATO desde 1952) fizeram saber que uma ilegalização do AKP seria péssima para a imagem do país. Não se repetem assim os tempos em que os militares - guardiães máximos do 'atatürkismo' - faziam golpes quando a via política não lhes agradava (1960, 1971 e 1980) ou pressionavam a justiça para ilegalizar os islamitas (1997). Erdoğan, porém, terá de ter em mente o derrube de Necmettin Erbakan, a quem de nada valeu ser primeiro-ministro quando o seu Partido do Bem-Estar foi decretado antilaico. O véu que usa Emine Erdoğan, e também a senhora Gül, é tido como um ultraje pelos laicos. E ainda mais grave foi a intenção de abolir a lei que interdita o uso do lenço nas universidades. Mas essa polémica é - sem trocadilhos - a ponta do véu: o moderado AKP é elogiado por recuperar a economia e aprofundar o Estado de direito, mas ao mesmo não pode, invocando as liberdades individuais, desafiar os alicerces que tornaram a Turquia um caso de sucesso no mundo islâmico. E que lhe abriram as portas do Ocidente, seja através da NATO seja um dia graças à adesão à União Europeia. É que uma Europa unida das Ilhas Britânicas à Anatólia é o caminho a seguir. E nem tão surpreendente assim: acaba de chegar ao Museu Britânico, em Londres, um busto de meia tonelada de Adriano encontrado numas escavações na Turquia. Um imperador romano do século II que foi até à Inglaterra observar a construção da muralha a que dá nome, mas também à Anatólia controlar as fronteiras orientais do seu domínio.
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