19 maio 2014

Muhammed Çetin: "Erdoğan faz mal à Turquia"

Seguidor de Fethullah Gülen, Muhammed Çetin é autor de várias obras sobre o movimento Gülen, também chamado Hizmet (Serviço). Em 2011, aceitou ser candidato a deputado nas listas do AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) e precisou de ser eleito para concluir que o primeiro-ministro é um “egoísta e um autoritário” que só “se move pela ambição pessoal”. Em ruptura com Recep Tayyip Erdogan, o Hizmet é um movimento com milhões de seguidores e uma rede de escolas e universidades em 160 países, às quais junta um império mediático, uma federação empresarial e associações empresariais. Os críticos falam em “sociedade secreta” e os nacionalistas turcos chegaram a acusar Gülen (que vive nos Estados Unidos desde 1998) de ser “agente da CIA”.
Os gulenistas defendem a modernização do islão e a separação entre política e religião. Gülen começou com campos de férias e a acabou por criar uma poderosa rede global. “A educação é o direito mais básico dado por Deus e garantido pela Constituição”, diz Çetin, que esteve em Portugal a convite da Associação de Amizade Luso-Turca, três meses depois de ter abandonado a bancada do AKP na sequência de um escândalo de corrupção que envolve o partido e pode chegar ao primeiro-ministro. Mantendo-se como deputado independente, diz que fará o que puder para mudar a Turquia através “do diálogo pacífico e do respeito mútuo”.
Quando é que descobriu Gülen?
Foi por volta de 1978 ouvi falar nele, mas só em 1980 é que me envolvi. Era o tempo do terrorismo e dos golpes de Estado na Turquia e eu era um activista político. As pessoas estavam a matar-se umas às outras e havia bombas a explodir, eu pensava que a violência não podia ser a solução para a Turquia. Voltei a ouvir uma série de conferências de Gülen e ele era completamente contra a violência. Dizia que se queríamos contribuir para o nosso país teríamos de o fazer através da educação, do diálogo, do entendimento e do respeito mútuos, e eu fiquei atónito. Pensei que era exactamente o que queria fazer. A educação fazia sentido e foi assim que me envolvi completamente com o movimento.
Mas trabalhou muito fora da Turquia.
Sim, estive cinco anos na Turquia mas completei a minha educação no Reino Unido e depois fui ensinar para os Estados Unidos. E foi quando lá estava que o primeiro-ministro me telefonou a perguntar se eu não queria candidatar-me a deputado por Istambul, mesmo não sendo eu membro do partido. Fui eleito, estive no Comité da NATO e fui vice-presidente do Comité dos Assuntos Externos. Pensámos que eles podiam beneficiar da nossa experiência. Na altura, a Turquia não estava com muito boas relações com os EUA e nós somos muito activos no diálogo intercultural e inter-religioso e na academia, pensámos que podíamos contribuir para diminuir a tensão.
Houve uma aliança entre o AKP e Gülen, mas isso foi algo discutido formalmente, planeado?
Não, nunca houve uma discussão formal sobre uma aliança, nós decidimos apoiar Erdogan e o seu partido porque ele disse que haveria uma nova Constituição, uma Constituição civil, disse que ia ser rápido no processo de adesão à União Europeia; que não haveria controlo sobre a sociedade civil; que as liberdades civis seriam alargadas; que não haveria mais nenhum conflito armado com os curdos… Era tudo o que nós queríamos e já defendíamos. A paz com os curdos é muito importante, faz-se através da educação e da melhoria das condições de vida. Nós acreditávamos em tudo o que ele dizia defender. Mas depois ele abandonou tudo isso, voltou atrás, envolveu-se na corrupção e lançou-se numa retórica dura e imparável e nós retirámos-lhe o apoio.
É verdade que o movimento se infiltrou nas forças polícias e na justiça, colocando membros em cargos importantes de várias áreas da função pública?
Eu chamo a atenção para uma série de acontecimentos e a irracionalidade da acusação de que nós estamos por trás das denúncias de corrupção ficará evidente. Primeiro, disse que o embaixador norte-americano estava por trás de tudo; depois, disse que os autores da conspiração eram a Alemanha, Angela Merkel e a Lufthansa, porque a Turquia ia construir o terceiro maior aeroporto da Europa e eles não queriam isso. Quando os alemães responderam com dureza, ele acusou lobbys – interrogado sobre a natureza desses lobbys, respondeu ‘Israel e a diáspora judaica’. Quando todas estas pessoas rejeitaram estas acusações ridículas, ele disse que os EUA e a Europa eram os autores das escutas [a membros do partido e ao próprio Erdogan] e que as tinham passado ao movimento Gülen para que nós as divulgássemos às suas ordens…
Mas se num determinado momento Erdogan e o movimento estiveram juntos é natural que várias pessoas tenham acedido a cargos importantes.
Nessa altura, 80% do AKP apoiava o nosso movimento, os filhos deles iam às nossas escolas, os filhos dos deputados também, acediam às bolsas do movimento. As pessoas estavam juntas. Quando tudo se tornou terrível, com este discurso de polarização, percebemos que a Turquia estava a perder e tivemos que desistir.
 
(Fonte: Público)

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