Por Jorge Almeida Fernandes in Público.
Ancara e o Hamas são os ganhadores imediatos do incidente da flotilha que, além de isolar o Estado hebraico, põe em causa a abertura americana ao mundo muçulmano.
A Turquia exigiu ontem "a punição" de Israel e subiu a pressão sobre os Estados Unidos, pedindo uma "condenação clara" da operação sangrenta contra a flotilha "Gaza Livre" na madrugada de segunda-feira. A acção abriu uma crise regional que ameaça afectar os equilíbrios actuais, em benefício de Ancara e do Hamas, acentuando o isolamento de Israel e colocando Washington numa posição incómoda.
Ontem à noite, aproximava-se um novo teste. O governo israelita garantiu que impediria o barco irlandês Rachel Corrie de entrar nas águas de Gaza. Faz parte da flotilha mas atrasou-se. O governo irlandês pediu formalmente a Israel que autorizasse a descarga da ajuda humanitária em Gaza. Leva a bordo cem activistas pró-palestinianos, entre eles um Nobel da Paz norte-irlandês.
Juntando-se ao Conselho de Segurança da ONU, a NATO pediu a "libertação imediata" de todos os civis detidos e um inquérito imparcial. O governo israelita tinha uma reunião agendada para ontem à noite, devendo ordenar a abertura de um inquérito sobre a decisão de abordagem da flotilha. No entanto, parte da imprensa exige um inquérito judicial, à imagem do que foi feito sobre a guerra no Líbano em 2006.
Só ao fim de treze horas de reunião, o Conselho de Segurança aprovou uma declaração que condena "os actos que levaram" à morte de nove pessoas. O texto, relativamente moderado em relação a Israel, terá resultado de uma negociação entre Ancara e Washington.
No entanto, horas depois, o MNE turco, Ahmet Davutoğlu, encontrou-se com Hillary Clinton e declarou aos jornalistas: "Para ser franco, não estou muito feliz com a declaração de ontem de Washington. Esperamos uma condenação clara." A Casa Branca reagiu com cautela, pedindo o prévio esclarecimento dos factos.
Turquia e Hamas
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdoğan, repetiu a condenação do "massacre sangrento", exigindo que o Estado de "Israel seja punido" e deixando uma ameaça: "Israel não deve abusar da paciência da Turquia." Para lá da retórica, analistas turcos encaram uma "guerra diplomática de longa duração". Saber até onde Ancara irá, é uma incógnita.
Após a anulação de exercícios militares conjuntos, Ancara poderia cancelar o projecto do oleoduto Medstream entre os dois países. "Uma decisão estratégica poderá ser tomada sob instruções do primeiro-ministro", disse o ministro da Energia, Taner Yildiz. No entanto, a venda de dez drones Heron a Ancara não parece ameaçada, pois é desejada pelos militares turcos.
A colisão com a Turquia priva Israel do aliado privilegiado perante os árabes, da sua mediação em relação à Síria, além de inviabilizar o bloqueio da Faixa de Gaza que divide os Israelitas e deixa de contar com o apoio tácito dos países ocidentais.
Significativamente, o Egipto abriu ontem a sua fronteira com a Faixa de Gaza, na passagem de Rafah, "por tempo indefinido", permitindo a entrada e saída de pessoas. É uma consequência directa do incidente da flotilha. Um efeito indirecto, previsto pelos analistas, é o reforço do domínio do Hamas em Gaza.
A Turquia parece em posição de disputar ao Irão a influência sobre Gaza. O seu prestígio na população palestiniana cresceu exponencialmente. O editorialista israelita Nahum Barnea, do Yedioth Ahronoth, tem uma versão mais pessimista: "O eixo Turquia, Síria, Irão, Hamas deverá sair reforçado."
Outra dimensão da crise diz respeito ao "processo de paz" israelo-palestiniano. Neste momento parece mais afastado do que nunca. A prazo, nada está fechado, pois ignoram-se as consequências que Israel vai tirar do seu insustentável isolamento e do risco de deslegitimação do próprio Estado hebraico.
O fardo de Obama
A mais importante declaração política de ontem partiu do director da Mossad, Meir Dagan: "Israel está progressivamente a deixar de ser um trunfo e a tornar-se num fardo para os Estados Unidos." Falando na comissão de Negócios Estrangeiros e Defesa do Knesset (parlamento), informou que a administração Obama estudou um cenário de coerção sobre Israel em matéria de colonatos, que abandonou temporariamente por concluir que isso não levaria à paz.
A reacção cautelosa da Casa Branca na segunda-feira não deve ser interpretada como protecção incondicional de Israel. Na semana passada, assinala o Washington Post, Obama "deixou cair" Israel na conferência sobre o Tratado de Não Proliferação e deu cobertura, ainda que em termos prudentes, à futura conferência sobre o "Médio Oriente sem armas nucleares", a que Israel se opõe.
Se, para Israel, o incidente da flotilha foi uma "ratoeira", que em poucas horas pôs em xeque a sua política, para Obama é uma ameaça equivalente. Se não se demarcar com actos, que credibilidade resta do "discurso do Cairo" e do seu desígnio estratégico de uma abertura ao mundo muçulmano? - interroga-se Stephen Walt, professor de Relações Internacionais em Harvard. "Obama deveria agarrar esta oportunidade para explicar ao povo americano por que é necessária uma nova abordagem do conflito [israelo-palestiniano], que é uma prioridade de segurança nacional para os EUA", no interesse de Israel e no americano. Não é fácil em ano eleitoral.
A Turquia exigiu ontem "a punição" de Israel e subiu a pressão sobre os Estados Unidos, pedindo uma "condenação clara" da operação sangrenta contra a flotilha "Gaza Livre" na madrugada de segunda-feira. A acção abriu uma crise regional que ameaça afectar os equilíbrios actuais, em benefício de Ancara e do Hamas, acentuando o isolamento de Israel e colocando Washington numa posição incómoda.
Ontem à noite, aproximava-se um novo teste. O governo israelita garantiu que impediria o barco irlandês Rachel Corrie de entrar nas águas de Gaza. Faz parte da flotilha mas atrasou-se. O governo irlandês pediu formalmente a Israel que autorizasse a descarga da ajuda humanitária em Gaza. Leva a bordo cem activistas pró-palestinianos, entre eles um Nobel da Paz norte-irlandês.
Juntando-se ao Conselho de Segurança da ONU, a NATO pediu a "libertação imediata" de todos os civis detidos e um inquérito imparcial. O governo israelita tinha uma reunião agendada para ontem à noite, devendo ordenar a abertura de um inquérito sobre a decisão de abordagem da flotilha. No entanto, parte da imprensa exige um inquérito judicial, à imagem do que foi feito sobre a guerra no Líbano em 2006.
Só ao fim de treze horas de reunião, o Conselho de Segurança aprovou uma declaração que condena "os actos que levaram" à morte de nove pessoas. O texto, relativamente moderado em relação a Israel, terá resultado de uma negociação entre Ancara e Washington.
No entanto, horas depois, o MNE turco, Ahmet Davutoğlu, encontrou-se com Hillary Clinton e declarou aos jornalistas: "Para ser franco, não estou muito feliz com a declaração de ontem de Washington. Esperamos uma condenação clara." A Casa Branca reagiu com cautela, pedindo o prévio esclarecimento dos factos.
Turquia e Hamas
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdoğan, repetiu a condenação do "massacre sangrento", exigindo que o Estado de "Israel seja punido" e deixando uma ameaça: "Israel não deve abusar da paciência da Turquia." Para lá da retórica, analistas turcos encaram uma "guerra diplomática de longa duração". Saber até onde Ancara irá, é uma incógnita.
Após a anulação de exercícios militares conjuntos, Ancara poderia cancelar o projecto do oleoduto Medstream entre os dois países. "Uma decisão estratégica poderá ser tomada sob instruções do primeiro-ministro", disse o ministro da Energia, Taner Yildiz. No entanto, a venda de dez drones Heron a Ancara não parece ameaçada, pois é desejada pelos militares turcos.
A colisão com a Turquia priva Israel do aliado privilegiado perante os árabes, da sua mediação em relação à Síria, além de inviabilizar o bloqueio da Faixa de Gaza que divide os Israelitas e deixa de contar com o apoio tácito dos países ocidentais.
Significativamente, o Egipto abriu ontem a sua fronteira com a Faixa de Gaza, na passagem de Rafah, "por tempo indefinido", permitindo a entrada e saída de pessoas. É uma consequência directa do incidente da flotilha. Um efeito indirecto, previsto pelos analistas, é o reforço do domínio do Hamas em Gaza.
A Turquia parece em posição de disputar ao Irão a influência sobre Gaza. O seu prestígio na população palestiniana cresceu exponencialmente. O editorialista israelita Nahum Barnea, do Yedioth Ahronoth, tem uma versão mais pessimista: "O eixo Turquia, Síria, Irão, Hamas deverá sair reforçado."
Outra dimensão da crise diz respeito ao "processo de paz" israelo-palestiniano. Neste momento parece mais afastado do que nunca. A prazo, nada está fechado, pois ignoram-se as consequências que Israel vai tirar do seu insustentável isolamento e do risco de deslegitimação do próprio Estado hebraico.
O fardo de Obama
A mais importante declaração política de ontem partiu do director da Mossad, Meir Dagan: "Israel está progressivamente a deixar de ser um trunfo e a tornar-se num fardo para os Estados Unidos." Falando na comissão de Negócios Estrangeiros e Defesa do Knesset (parlamento), informou que a administração Obama estudou um cenário de coerção sobre Israel em matéria de colonatos, que abandonou temporariamente por concluir que isso não levaria à paz.
A reacção cautelosa da Casa Branca na segunda-feira não deve ser interpretada como protecção incondicional de Israel. Na semana passada, assinala o Washington Post, Obama "deixou cair" Israel na conferência sobre o Tratado de Não Proliferação e deu cobertura, ainda que em termos prudentes, à futura conferência sobre o "Médio Oriente sem armas nucleares", a que Israel se opõe.
Se, para Israel, o incidente da flotilha foi uma "ratoeira", que em poucas horas pôs em xeque a sua política, para Obama é uma ameaça equivalente. Se não se demarcar com actos, que credibilidade resta do "discurso do Cairo" e do seu desígnio estratégico de uma abertura ao mundo muçulmano? - interroga-se Stephen Walt, professor de Relações Internacionais em Harvard. "Obama deveria agarrar esta oportunidade para explicar ao povo americano por que é necessária uma nova abordagem do conflito [israelo-palestiniano], que é uma prioridade de segurança nacional para os EUA", no interesse de Israel e no americano. Não é fácil em ano eleitoral.
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