in Presidência da República Portuguesa
Discurso do Presidente da República perante o Plenário da Grande Assembleia Nacional Turca
Ancara, 12 de Maio de 2009
Senhor Presidente da República,Senhor Presidente da Grande Assembleia Nacional Turca,Senhores Deputados,Ilustres Autoridades,Minhas Senhoras e meus Senhores,
As minhas primeiras palavras são de sentido agradecimento pelo honroso convite que me foi endereçado para ser o primeiro Chefe de Estado do meu país a dirigir-se a esta ilustre Assembleia. Vejo neste gesto um sinal de estima e consideração por Portugal e pelos portugueses, que muito me sensibiliza. É, assim, em meu nome, mas também em nome dos portugueses, que agradeço e saúdo esta Assembleia, emanação da vontade soberana da nação turca.
O povo turco está entre aqueles, poucos, cuja acção determinou, muitas vezes, o curso da História. Impressionam os múltiplos feitos que protagonizou, a imensa riqueza do seu legado, a notável dimensão de tantas das suas figuras. Mas a História do povo turco é mais do que a soma de tudo isto. É uma fonte de exemplos do carácter e da determinação sem os quais não se conquistam vitórias, nem se superam adversidades.
Este é o povo que se reergueu numa hora difícil e fez da Turquia moderna um actor central na cena internacional, ouvido, respeitado e, em vários domínios, exemplar. O povo de que se orgulhava Atatürk, que lembrava que nele residia a única fonte de toda a soberania, como reza a divisa desta Casa.
Senhores Deputados,
Aos grandes povos, às grandes nações cabem, também, grandes responsabilidades na construção do mundo que desejamos.
E que mundo é esse?
Um mundo em que prevaleça a paz, a estabilidade, a segurança e o respeito pela dignidade humana de que os povos necessitam para o seu progresso económico e social e de que cada individuo carece para a sua plena afirmação.
Alexandre Herculano foi uma figura grande da História portuguesa do século XIX, romancista, historiador, guerreiro e político. Dizia ele que “o desejo mede os obstáculos e a vontade vence-os”.
Não será preciso ir muito longe para identificar os obstáculos que se colocam à concretização do mundo que ambicionamos. Basta olhar à nossa volta, basta recordar os acontecimentos que marcaram a nossa História recente. As lições sobre os desafios que temos e teremos pela frente estão aí, evidentes, no que vemos e no que vivemos.
Os conflitos entre povos e nações, a violência terrorista, a insegurança, as crises alimentar, energética, a crise financeira e económica, as catástrofes relacionadas com a degradação ambiental e com as alterações climáticas, as doenças, que rapidamente se transformam em pandemias globais. De tudo isto somos chamados a retirar ensinamentos, se queremos um mundo melhor para nós e para os nossos filhos.
A cada um caberão as suas conclusões.
As minhas dizem-me que a fome, a pobreza, a injustiça, a impunidade perante comportamentos claramente reprováveis, a ausência de esperança e a intolerância alimentam os sentimentos de exclusão e de humilhação e favorecem a eclosão de conflitos. As forças do terror encontram aí o campo propício para espalhar a sua lógica inaceitável e inegociável de morte e de destruição.
Recordemos o preço que atingiram as energias fósseis e os alimentos, quando os primeiros alertas para uma crise financeira e económica pareciam, ainda, aos ouvidos de muitos, um discurso de cépticos incorrigíveis. Pensemos no que poderá suceder quando esta crise passar, se se confirmar que rareiam os recursos de que necessitamos para viver de acordo com os nossos parâmetros actuais. Somemos a esta realidade, já suficientemente preocupante, a mais que previsível crise da água, um recurso vital, que não é inesgotável, mas que vimos tratando como se fosse.
Diz-me, ainda, a leitura que faço dos acontecimentos recentes, que a economia de mercado é a melhor via para somar a liberdade ao progresso económico e social. Mas, também, que é essencial, para que tal se confirme, que o Estado e as Instituições competentes assumam as suas responsabilidades em matéria de regulação e de supervisão e que os valores e os princípios éticos estejam bem presentes no funcionamento dos mercados financeiros.
Diz-me, também, aquilo que me é dado testemunhar, que de nada valerão todos os esforços em favor desse mundo que desejamos se nada fizermos para combater os efeitos das alterações climáticas. A ideia de que possa haver quem saia beneficiado, caso se concretizem os cenários para que os cientistas nos vêm alertando, é perigosamente ilusória.
Finalmente, em tudo o que acabo de referir me parece implícita a mais importante das conclusões: a de que os principais desafios com que nos confrontamos, ou são globais pela sua própria natureza, ou passaram a sê-lo, fruto da interdependência entre os Estados. O proteccionismo não é possível, quando os desafios são incontornavelmente globais – de nada adianta encerrar as fronteiras às alterações climáticas, por exemplo. O proteccionismo apenas conduziria a uma crise maior, quando estamos perante o resultado da interdependência entre Estados. Nunca, como agora, foi mais evidente a necessidade de mecanismos de coordenação internacional.
Coordenação internacional que permita melhor prevenir conflitos entre nações e combater as suas causas e efeitos; que garanta uma defesa mais eficaz contra o terrorismo; que promova o desarmamento e impeça a proliferação das armas de destruição maciça; que torne mais fácil antecipar crises energéticas, de alimentos, financeiras e económicas e possibilite uma intervenção mais rápida e eficaz, quando ocorram.
A eficácia da coordenação internacional passa por uma representatividade nas estruturas e mecanismos de decisão que reflicta a realidade dos nossos dias, tornando mais fácil a aceitação universal das decisões. Que reconheça a diversidade geográfica, histórica e cultural que caracteriza os Estados e a multiplicidade de interesses que essa diversidade multifacetada implica. Que não ignore o papel de crescente importância que vêm assumindo as organizações regionais.
Por isso Portugal se candidatou a membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para o biénio 2011-2012, com o apoio da Turquia, que quero, mais uma vez, agradecer. Também por isso, Portugal entende que a composição do G-20 não pode ignorar as organizações regionais.
Uma coordenação internacional que, para ser credível, tem que assentar em princípios e valores. No caso do sistema das Nações Unidas, estes estão vertidos em documentos de valor universal. Há que aplicá-los. No que diz respeito à arquitectura financeira, é a meu ver essencial que resulte claro para as nossas opiniões públicas que as decisões se pautam por regras éticas. Que a afectação de recursos não ignora as necessidades dos mais fracos, dos países em vias de desenvolvimento.
Uma coordenação internacional, enfim, que valorize as estruturas que favorecem a criação de pontes entre Povos e culturas, como é o caso da Aliança das Civilizações, de cuja paternidade a Turquia foi um dos responsáveis.
Trata-se de tirar as devidas ilações da realidade a que Atatürk se referia, nas suas palavras visionárias, quando nos dizia que “a Humanidade é como um corpo único, de que cada nação é parte”, acrescentando que “não devemos dizer nunca: o que me interessa que parte do mundo sofra? Se existe esse sofrimento, devemos sentir-nos atingidos por ele, como se fosse nosso.”
Trata-se, em suma, de assumirmos as implicações políticas de uma cidadania global.
É neste quadro que sobressaem, com particular vigor, para nós, Europeus, as vantagens da União Europeia. De uma União Europeia forte, credível e afirmativa na cena internacional, capaz de falar, de forma coesa, em nome de todos os seus povos, e de garantir e projectar a paz, a segurança e o progresso social e económico.
A integração europeia, em particular através dos seus valores e do modelo económico e social que representa, deve influenciar e inspirar as respostas aos grandes desafios do nosso tempo, sejam eles a segurança, as alterações climáticas ou a crise económica e financeira. Para travar esses combates, a Europa precisa da Turquia.
Com a adesão da Turquia, para lá do enriquecimento que representa a integração de uma grande nação, que é exemplo de uma realidade cultural multifacetada, a União Europeia ganha uma acrescida importância estratégica, que lhe permitirá actuar com um peso muito superior em sectores fundamentais para o seu destino colectivo. Dois exemplos, apenas: a energia e a política externa.
A União Europeia precisa de uma política energética comum. Uma política que garanta, no exterior, a diversidade das fontes de abastecimento e dos circuitos de distribuição, e, no interior, a interligação de redes. A Turquia pode ter, neste domínio, um contributo decisivo.
Por outro lado, a Turquia garante à política externa da União Europeia uma projecção acrescida: pelos meios de defesa de que dispõe; pela influência de que goza na vizinhança imediata da União e em espaços com uma importância estratégica fundamental para a União; pelo contributo que a integração de uma grande nação muçulmana e democrática constitui para a defesa dos valores e princípios em que se funda o projecto europeu.
Mas permitam-me que sublinhe: se a União Europeia que desejamos precisa da Turquia, a Turquia precisa, também ela, da Europa.
Pela experiência do meu próprio País, posso dizer, com convicção, que a integração plena na União Europeia permitirá à Turquia consolidar o seu processo de desenvolvimento e modernização e garantir-lhe-á uma projecção internacional ainda maior. Sei bem que é muito diferente para os nossos interlocutores internacionais falarem connosco como Estados individualmente considerados, ou como membros de uma organização como a União Europeia, capazes de influenciar os seus processos de decisão.
Fruto de uma História que nos levou aos quatro cantos do mundo, Portugal mantém relações muito próximas com os países de língua oficial portuguesa. Com eles fundou, aliás, uma Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, que se vem afirmando crescentemente a nível internacional. No entanto, não temos qualquer dúvida de que, mesmo no diálogo com esses países que nos estão tão próximos, o nosso peso é muito maior por pertencermos à União Europeia.
Senhores Deputados,
Falar da adesão da Turquia à União Europeia traz-me à memória a adesão do meu próprio País.
A adesão de Portugal foi um processo longo e complexo, que enfrentou múltiplas resistências. As vozes que se lhe opunham alertavam para os custos que representava o nosso diferencial de desenvolvimento, a ameaça que constituíam os fluxos migratórios com que confrontaríamos os Estados Membros mais ricos, a nossa própria idiossincrasia, que nos condenaria a colocar as nossas lealdades mais próximo dos interesses atlânticos e das relações com as nossas antigas colónias, do que da Europa. E por aí adiante.
Mas, voltando a Alexandre Herculano, “o desejo mede os obstáculos e a vontade vence-os”. Não nos faltava o desejo, nem nos faltou a vontade. Sabíamos que o nosso lugar era na Europa, que aí estava o nosso interesse nacional, que não podíamos ficar à margem do processo de integração europeia.
Tivemos de cumprir com critérios de adesão exigentes. Em nome deles, foi necessário adaptar estruturas, muitas vezes de forma radical, transpor um volume impressionante de legislação comunitária, introduzir reformas profundíssimas, que nos obrigaram a alterações constitucionais e legislativas de grande alcance. Tivemos de reequacionar a forma como víamos o nosso lugar no mundo.
Hoje, não tenho qualquer dúvida em dizer que valeu a pena.
Cada país é uma realidade. A Turquia não é Portugal e Portugal não é a Turquia.
Peço-vos, por isso, que tomem o que aqui digo sobre a nossa própria experiência não como lições que não teriam cabimento, mas como palavras de um amigo, que gostaria de vos ter à mesa das decisões europeias.
Senhores Deputados,
Esta minha Visita tem por objectivo central contribuir para o reforço das relações entre os nossos dois países, aliados, de há muito, na NATO, e parceiros, no Conselho da Europa.
São relações excelentes, a nível político, mas muito longe do seu potencial, noutros domínios. É tempo de alterar esse estado de coisas.
Trago comigo uma significativa delegação empresarial, representativa de alguns dos sectores mais dinâmicos da nossa economia. Uma economia que é, hoje, criadora e exportadora de alta tecnologia, que alcançou um patamar de relevo, a nível mundial, em domínios que tanto interessam à Turquia, como o das energias renováveis, a construção de infra-estruturas, o turismo, as telecomunicações. Que se internacionalizou e está, hoje, presente em mercados que conhece particularmente bem, como a África de expressão portuguesa e o Brasil. Que quer chegar a mercados onde a Turquia é uma presença de referência.
O programa desta Visita foi organizado de forma a fomentar os contactos entre estes empresários e os seus colegas turcos. Quero acreditar que saberão encontrar novas oportunidades de negócio e de parcerias.
Mas é importante que a cooperação entre nós se intensifique, também, a outros níveis. Nos sectores científico, cultural, académico, turístico. Espero que as várias vertentes do programa que estabeleci com o apoio inestimável das autoridades turcas, contribuam para o reforço dos contactos e da cooperação nestas áreas.
Em última instância, é preciso que os nossos Povos se conheçam melhor.
Nas minhas visitas à Turquia, incluindo as que fiz a título privado, fiquei frequentemente maravilhado com a riqueza do seu património histórico, impressionei-me com a determinação do seu povo e com as realizações da Turquia moderna.
Mas houve algo mais que sempre me tocou particularmente: as semelhanças que encontrei entre nós e que fazem com que, algumas vezes, me pergunte se saí realmente do meu País. Na Turquia, como europeu e como português, sinto-me em casa.
É o que acontece, hoje, aqui, perante vós, nesta ilustre Casa da democracia turca.
Muito obrigado.
Discurso do Presidente da República perante o Plenário da Grande Assembleia Nacional Turca
Ancara, 12 de Maio de 2009
Senhor Presidente da República,Senhor Presidente da Grande Assembleia Nacional Turca,Senhores Deputados,Ilustres Autoridades,Minhas Senhoras e meus Senhores,
As minhas primeiras palavras são de sentido agradecimento pelo honroso convite que me foi endereçado para ser o primeiro Chefe de Estado do meu país a dirigir-se a esta ilustre Assembleia. Vejo neste gesto um sinal de estima e consideração por Portugal e pelos portugueses, que muito me sensibiliza. É, assim, em meu nome, mas também em nome dos portugueses, que agradeço e saúdo esta Assembleia, emanação da vontade soberana da nação turca.
O povo turco está entre aqueles, poucos, cuja acção determinou, muitas vezes, o curso da História. Impressionam os múltiplos feitos que protagonizou, a imensa riqueza do seu legado, a notável dimensão de tantas das suas figuras. Mas a História do povo turco é mais do que a soma de tudo isto. É uma fonte de exemplos do carácter e da determinação sem os quais não se conquistam vitórias, nem se superam adversidades.
Este é o povo que se reergueu numa hora difícil e fez da Turquia moderna um actor central na cena internacional, ouvido, respeitado e, em vários domínios, exemplar. O povo de que se orgulhava Atatürk, que lembrava que nele residia a única fonte de toda a soberania, como reza a divisa desta Casa.
Senhores Deputados,
Aos grandes povos, às grandes nações cabem, também, grandes responsabilidades na construção do mundo que desejamos.
E que mundo é esse?
Um mundo em que prevaleça a paz, a estabilidade, a segurança e o respeito pela dignidade humana de que os povos necessitam para o seu progresso económico e social e de que cada individuo carece para a sua plena afirmação.
Alexandre Herculano foi uma figura grande da História portuguesa do século XIX, romancista, historiador, guerreiro e político. Dizia ele que “o desejo mede os obstáculos e a vontade vence-os”.
Não será preciso ir muito longe para identificar os obstáculos que se colocam à concretização do mundo que ambicionamos. Basta olhar à nossa volta, basta recordar os acontecimentos que marcaram a nossa História recente. As lições sobre os desafios que temos e teremos pela frente estão aí, evidentes, no que vemos e no que vivemos.
Os conflitos entre povos e nações, a violência terrorista, a insegurança, as crises alimentar, energética, a crise financeira e económica, as catástrofes relacionadas com a degradação ambiental e com as alterações climáticas, as doenças, que rapidamente se transformam em pandemias globais. De tudo isto somos chamados a retirar ensinamentos, se queremos um mundo melhor para nós e para os nossos filhos.
A cada um caberão as suas conclusões.
As minhas dizem-me que a fome, a pobreza, a injustiça, a impunidade perante comportamentos claramente reprováveis, a ausência de esperança e a intolerância alimentam os sentimentos de exclusão e de humilhação e favorecem a eclosão de conflitos. As forças do terror encontram aí o campo propício para espalhar a sua lógica inaceitável e inegociável de morte e de destruição.
Recordemos o preço que atingiram as energias fósseis e os alimentos, quando os primeiros alertas para uma crise financeira e económica pareciam, ainda, aos ouvidos de muitos, um discurso de cépticos incorrigíveis. Pensemos no que poderá suceder quando esta crise passar, se se confirmar que rareiam os recursos de que necessitamos para viver de acordo com os nossos parâmetros actuais. Somemos a esta realidade, já suficientemente preocupante, a mais que previsível crise da água, um recurso vital, que não é inesgotável, mas que vimos tratando como se fosse.
Diz-me, ainda, a leitura que faço dos acontecimentos recentes, que a economia de mercado é a melhor via para somar a liberdade ao progresso económico e social. Mas, também, que é essencial, para que tal se confirme, que o Estado e as Instituições competentes assumam as suas responsabilidades em matéria de regulação e de supervisão e que os valores e os princípios éticos estejam bem presentes no funcionamento dos mercados financeiros.
Diz-me, também, aquilo que me é dado testemunhar, que de nada valerão todos os esforços em favor desse mundo que desejamos se nada fizermos para combater os efeitos das alterações climáticas. A ideia de que possa haver quem saia beneficiado, caso se concretizem os cenários para que os cientistas nos vêm alertando, é perigosamente ilusória.
Finalmente, em tudo o que acabo de referir me parece implícita a mais importante das conclusões: a de que os principais desafios com que nos confrontamos, ou são globais pela sua própria natureza, ou passaram a sê-lo, fruto da interdependência entre os Estados. O proteccionismo não é possível, quando os desafios são incontornavelmente globais – de nada adianta encerrar as fronteiras às alterações climáticas, por exemplo. O proteccionismo apenas conduziria a uma crise maior, quando estamos perante o resultado da interdependência entre Estados. Nunca, como agora, foi mais evidente a necessidade de mecanismos de coordenação internacional.
Coordenação internacional que permita melhor prevenir conflitos entre nações e combater as suas causas e efeitos; que garanta uma defesa mais eficaz contra o terrorismo; que promova o desarmamento e impeça a proliferação das armas de destruição maciça; que torne mais fácil antecipar crises energéticas, de alimentos, financeiras e económicas e possibilite uma intervenção mais rápida e eficaz, quando ocorram.
A eficácia da coordenação internacional passa por uma representatividade nas estruturas e mecanismos de decisão que reflicta a realidade dos nossos dias, tornando mais fácil a aceitação universal das decisões. Que reconheça a diversidade geográfica, histórica e cultural que caracteriza os Estados e a multiplicidade de interesses que essa diversidade multifacetada implica. Que não ignore o papel de crescente importância que vêm assumindo as organizações regionais.
Por isso Portugal se candidatou a membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para o biénio 2011-2012, com o apoio da Turquia, que quero, mais uma vez, agradecer. Também por isso, Portugal entende que a composição do G-20 não pode ignorar as organizações regionais.
Uma coordenação internacional que, para ser credível, tem que assentar em princípios e valores. No caso do sistema das Nações Unidas, estes estão vertidos em documentos de valor universal. Há que aplicá-los. No que diz respeito à arquitectura financeira, é a meu ver essencial que resulte claro para as nossas opiniões públicas que as decisões se pautam por regras éticas. Que a afectação de recursos não ignora as necessidades dos mais fracos, dos países em vias de desenvolvimento.
Uma coordenação internacional, enfim, que valorize as estruturas que favorecem a criação de pontes entre Povos e culturas, como é o caso da Aliança das Civilizações, de cuja paternidade a Turquia foi um dos responsáveis.
Trata-se de tirar as devidas ilações da realidade a que Atatürk se referia, nas suas palavras visionárias, quando nos dizia que “a Humanidade é como um corpo único, de que cada nação é parte”, acrescentando que “não devemos dizer nunca: o que me interessa que parte do mundo sofra? Se existe esse sofrimento, devemos sentir-nos atingidos por ele, como se fosse nosso.”
Trata-se, em suma, de assumirmos as implicações políticas de uma cidadania global.
É neste quadro que sobressaem, com particular vigor, para nós, Europeus, as vantagens da União Europeia. De uma União Europeia forte, credível e afirmativa na cena internacional, capaz de falar, de forma coesa, em nome de todos os seus povos, e de garantir e projectar a paz, a segurança e o progresso social e económico.
A integração europeia, em particular através dos seus valores e do modelo económico e social que representa, deve influenciar e inspirar as respostas aos grandes desafios do nosso tempo, sejam eles a segurança, as alterações climáticas ou a crise económica e financeira. Para travar esses combates, a Europa precisa da Turquia.
Com a adesão da Turquia, para lá do enriquecimento que representa a integração de uma grande nação, que é exemplo de uma realidade cultural multifacetada, a União Europeia ganha uma acrescida importância estratégica, que lhe permitirá actuar com um peso muito superior em sectores fundamentais para o seu destino colectivo. Dois exemplos, apenas: a energia e a política externa.
A União Europeia precisa de uma política energética comum. Uma política que garanta, no exterior, a diversidade das fontes de abastecimento e dos circuitos de distribuição, e, no interior, a interligação de redes. A Turquia pode ter, neste domínio, um contributo decisivo.
Por outro lado, a Turquia garante à política externa da União Europeia uma projecção acrescida: pelos meios de defesa de que dispõe; pela influência de que goza na vizinhança imediata da União e em espaços com uma importância estratégica fundamental para a União; pelo contributo que a integração de uma grande nação muçulmana e democrática constitui para a defesa dos valores e princípios em que se funda o projecto europeu.
Mas permitam-me que sublinhe: se a União Europeia que desejamos precisa da Turquia, a Turquia precisa, também ela, da Europa.
Pela experiência do meu próprio País, posso dizer, com convicção, que a integração plena na União Europeia permitirá à Turquia consolidar o seu processo de desenvolvimento e modernização e garantir-lhe-á uma projecção internacional ainda maior. Sei bem que é muito diferente para os nossos interlocutores internacionais falarem connosco como Estados individualmente considerados, ou como membros de uma organização como a União Europeia, capazes de influenciar os seus processos de decisão.
Fruto de uma História que nos levou aos quatro cantos do mundo, Portugal mantém relações muito próximas com os países de língua oficial portuguesa. Com eles fundou, aliás, uma Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, que se vem afirmando crescentemente a nível internacional. No entanto, não temos qualquer dúvida de que, mesmo no diálogo com esses países que nos estão tão próximos, o nosso peso é muito maior por pertencermos à União Europeia.
Senhores Deputados,
Falar da adesão da Turquia à União Europeia traz-me à memória a adesão do meu próprio País.
A adesão de Portugal foi um processo longo e complexo, que enfrentou múltiplas resistências. As vozes que se lhe opunham alertavam para os custos que representava o nosso diferencial de desenvolvimento, a ameaça que constituíam os fluxos migratórios com que confrontaríamos os Estados Membros mais ricos, a nossa própria idiossincrasia, que nos condenaria a colocar as nossas lealdades mais próximo dos interesses atlânticos e das relações com as nossas antigas colónias, do que da Europa. E por aí adiante.
Mas, voltando a Alexandre Herculano, “o desejo mede os obstáculos e a vontade vence-os”. Não nos faltava o desejo, nem nos faltou a vontade. Sabíamos que o nosso lugar era na Europa, que aí estava o nosso interesse nacional, que não podíamos ficar à margem do processo de integração europeia.
Tivemos de cumprir com critérios de adesão exigentes. Em nome deles, foi necessário adaptar estruturas, muitas vezes de forma radical, transpor um volume impressionante de legislação comunitária, introduzir reformas profundíssimas, que nos obrigaram a alterações constitucionais e legislativas de grande alcance. Tivemos de reequacionar a forma como víamos o nosso lugar no mundo.
Hoje, não tenho qualquer dúvida em dizer que valeu a pena.
Cada país é uma realidade. A Turquia não é Portugal e Portugal não é a Turquia.
Peço-vos, por isso, que tomem o que aqui digo sobre a nossa própria experiência não como lições que não teriam cabimento, mas como palavras de um amigo, que gostaria de vos ter à mesa das decisões europeias.
Senhores Deputados,
Esta minha Visita tem por objectivo central contribuir para o reforço das relações entre os nossos dois países, aliados, de há muito, na NATO, e parceiros, no Conselho da Europa.
São relações excelentes, a nível político, mas muito longe do seu potencial, noutros domínios. É tempo de alterar esse estado de coisas.
Trago comigo uma significativa delegação empresarial, representativa de alguns dos sectores mais dinâmicos da nossa economia. Uma economia que é, hoje, criadora e exportadora de alta tecnologia, que alcançou um patamar de relevo, a nível mundial, em domínios que tanto interessam à Turquia, como o das energias renováveis, a construção de infra-estruturas, o turismo, as telecomunicações. Que se internacionalizou e está, hoje, presente em mercados que conhece particularmente bem, como a África de expressão portuguesa e o Brasil. Que quer chegar a mercados onde a Turquia é uma presença de referência.
O programa desta Visita foi organizado de forma a fomentar os contactos entre estes empresários e os seus colegas turcos. Quero acreditar que saberão encontrar novas oportunidades de negócio e de parcerias.
Mas é importante que a cooperação entre nós se intensifique, também, a outros níveis. Nos sectores científico, cultural, académico, turístico. Espero que as várias vertentes do programa que estabeleci com o apoio inestimável das autoridades turcas, contribuam para o reforço dos contactos e da cooperação nestas áreas.
Em última instância, é preciso que os nossos Povos se conheçam melhor.
Nas minhas visitas à Turquia, incluindo as que fiz a título privado, fiquei frequentemente maravilhado com a riqueza do seu património histórico, impressionei-me com a determinação do seu povo e com as realizações da Turquia moderna.
Mas houve algo mais que sempre me tocou particularmente: as semelhanças que encontrei entre nós e que fazem com que, algumas vezes, me pergunte se saí realmente do meu País. Na Turquia, como europeu e como português, sinto-me em casa.
É o que acontece, hoje, aqui, perante vós, nesta ilustre Casa da democracia turca.
Muito obrigado.
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