Artigo de Yavuz Baydar, colunista do jornal turco Today’s Zaman
O mais alto tribunal da Turquia tem de se pronunciar sobre dois pedidos de interdição de dois partidos presentes no Parlamento, um dos quais tem a maioria. Qual a gravidade da situação?
A Turquia está a mergulhar na pior crise desde o golpe militar em 1980. Dois dos cinco partidos com representação parlamentar estão ameaçados de serem banidos. O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) e o pró-curdo DTP conseguiram quase 54 por cento dos votos nas eleições de Julho do ano passado e, juntos, têm 360 lugares no Parlamento. Nas províncias predominantemente curdas no Sudeste, estes partidos obtiveram 90 por cento dos votos. Todas as minhas fontes credíveis estão convencidas de que ambos vão ser mesmo banidos – portanto, os dois processos parecem já irreversíveis. As consequências na cena política e social são inimagináveis. O sistema pode não entrar em colapso, mas dizer que a situação é precária do ponto de vista da democracia é muito pouco.
Os apoiantes do AKP dizem que os procedimentos no Tribunal Constitucional são um golpe de Estado por meios legais. Pode dizer-se que são?
Há fortes sinais de uma acção legal bem engendrada para paralisar o AKP. Não é apenas uma acção legal, é uma acção política. Segue-se ao voto promovido pelo AKP – com a ajuda do ultranacionalista MHP e do pró-curdo DTP – para alterar a Constituição e autorizar o uso do véu islâmico nas universidades. Fora isso, não há muito mais no processo do que frases anti-seculares de deputados e presidentes de câmaras do AKP. É, de um ponto de vista legal, um caso ridículo, como tem sido descrito por muitos democratas na Europa. A acusação baseia-se num conjunto de discursos, mas o artigo 83 da Constituição garante a liberdade de todos os discursos – mesmo se eles constituírem um crime. Por isso, a acusação é inconstitucional e outra prova de quão politizado está o sistema judicial. O objectivo da “batalha legal” é derrubar [o primeiro-ministro Recep Tayyip] Erdoğan, invalidar o Governo e dividir o AKP – por esta ordem. A paralisia da democracia parlamentar está a tornar-se num facto.
Porquê?
Os prós e os contras podem ter sido calculados. O sistema burocrático nunca gostou do AKP. O processo de reformas tem sido consistentemente entendido como uma ameaça ao “sistema” que, aparentemente, queria uma erosão na maioria constitucional do AKP e a continuação de uma “velha ordem” sem os desafios de uma Constituição nova.
E o timing do caso contra o AKP?
O caso começou quando o AKP perdeu apetite por mais reformas europeias e demorou tempo a modificar o artigo 301 [que criminaliza o insulto à “identidade turca”]. Ao mesmo tempo, a aparente obsessão do AKP com o véu islâmico, a falta de comunicação e sinais contraditórios ajudaram a aumentar a tensão interna. Este clima pode ter proporcionado as condições perfeitas para a acção legal.
Como podem Erdoğan e [o Presidente Abdullah] Gül responder a esta acção? Se os líderes do AKP tentarem mudar a Constituição, o que acontece?
Erdoğan está perante a decisão “ser ou não ser”. Ele dá sinais de que vai ripostar com o mandato dado ao AKP nas eleições. Pode pegar em duas alterações constitucionais (que tornariam a proibição de partidos políticos muito mais difícil”) e levá-las a referendo. Tem uma maioria à justa para o fazer. Por isso, tem de fazer com que o AKP se mantenha unido. Mas pode haver dissidência e cisão no partido. Recep Erdoğan pode ainda tentar contar com os votos do pró-curdo DTP, mas o risco é que seja acusado de “cooperação com terroristas”. Além disso, o DTP quer do AKP que as acusações de separatismo violento não sejam razão para banir partidos. E isso não deve acontecer. Por isso, a liderança do AKP está a trabalhar num “pacote de liberdade”, que inclua mudanças constitucionais, leis dos partidos políticos e leis eleitorais e tenta chegar a consenso no Parlamento.
Se o AKP o fizer sozinho...
Pode levar as alterações (a interdição dos partidos) a referendo, com a aprovação de Gül, mas o CHP vai recorrer de novo ao Tribunal Constitucional. O tribunal irá – com certeza – decidir não apenas pela continuação da proibição do véu islâmico com base na actividade anti-secular (como quer o CHP) mas também – numa fase posterior – declarar o resultado do futuro referendo inválido com a mesma referência – “actividade anti-secular”. Por outras palavras, o acordo está feito. O AKP está encurralado, e apenas uma batalha democrática com a mesma aliança reformista pode quebrar este círculo vicioso. É possível ao AKP fazer campanha por reformas europeias, incluindo uma nova Constituição, com nova mobilização de massas? É muito difícil de dizer. Acho que não.
O que sabemos sobre a popularidade de Erdoğan na opinião pública turca? Aumentou ou diminuiu desde as eleições?
Algumas sondagens do mês passado mostram que o AKP está agora acima dos 50 por cento.
O que deve a UE fazer agora?
Se Erdoğan estiver determinado a fazer mais reformas políticas no espírito da UE, os líderes europeus – todos e cada um deles – deveriam telefonar-lhe e até apoiá-lo publicamente. Isto despertaria o entusiasmo sobre a Turquia na UE e causaria certamente dificuldades nos círculos antidemocráticos.
É possível definir o papel de Deniz Baykal, líder da oposição social-democrata?
Se fizermos um flashback aos discursos muito ameaçadores de Baykal ficamos com a impressão de que ele sabia que o AKP ia ser acusado antes mesmo de se tornar público. Agora tem sido muito favorável à opção de banir tanto o AKP como o DTP. Não tem mostrado qualquer interesse em defender a democracia turca. A Internacional Socialista devia mesmo considerar expulsar o partido de Baykal por este motivo. O CHP não é um partido político, é parte do aparelho do Estado, serve os interesses dos burocratas. Não devia ser membro da Internacional Socialista porque não está a defender a democracia.
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