“A Europa necessita da Turquia e do seu entusiasmo”
A Europa que pretende ter uma palavra mais enérgica sobre política internacional necessita de uma Turquia como o seu entusiasmo, diz Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa.
Em conversa com o Today’s Zaman de hoje, na véspera da sua Visita Oficial de quatro dias à Turquia, Cavaco Silva declarou que o seu País pretende que todos os obstáculos colocados perante a abertura de novos capítulos nas negociações para a adesão da Turquia deverão ser desobstruídos e que nenhum dos capítulos poderá ficar congelado. Cavaco Silva ainda referiu que a União Europeia terá uma atitude mais firme quanto à paz, segurança e estabilidade caso a Turquia seja um Estado membro, e a Turquia poderá ter uma maior influência na política internacional que de outra forma não teria. "Mesmo um Estado membro de menor dimensão tem a possibilidade de projectar a sua própria imagem na política mundial através da UE", disse Cavaco Silva. Recordando os tempos difíceis que o seu País sofreu durante os sete anos de negociações para adesão à União Europeia, o Presidente português disse que tanto as autoridades turcas e o povo turco deveriam estar ao corrente das dificuldades, e que uma decisão final necessitará que 27 Estados membros, cada um com os seus interesses específicos, assumam um compromisso. Sendo ele o último político em actividade entre as individualidades que assinaram o Tratado de Maastricht em 1992, que criou a União Monetária Europeia e o Euro como moeda comum, o Presidente Cavaco Silva declarou ao Today’s Zaman que, sem o Euro, a actual crise financeira teria atingido muitos países mais fortemente do que foi o caso. “Espero bem que um dia o povo turco também decida que em vez da Lira Turca deverá conviver com o Euro” disse Cavaco Silva.
O Presidente da República Portuguesa chega hoje à Turquia para uma Visita Oficial de quatro dias. Terá encontros com o Presidente Abdullah Gül, com o Primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan e com o líder do principal partido da oposição. Cavaco Silva fará também uma intervenção perante a Grande Assembleia Nacional Turca. Será o primeiro presidente estrangeiro a discursar perante a Assembleia após o Presidente americano Barack Obama. Cavaco Silva será acompanhado por um grupo de empresários portugueses que irão debater com os seus congéneres turcos a penetração em conjunto dos mercados Latino-Americano, Africano, do Cáucaso e da Ásia Central. Cavaco Silva inaugurará uma exposição de quadros de artistas portugueses em Istambul e oferecerá um jantar oficial em honra do Presidente Gül que se seguirá a um concerto de fado da cantora portuguesa Kátia Guerreiro.
O Today’s Zaman entrevistou o Presidente Cavaco Silva, que foi anteriormente professor catedrático de política fiscal e Primeiro-ministro do seu país durante dez anos após 1985, sobre a actual crise financeira, sobre o endurecimento das relações diplomáticas entre a Rússia e a NATO, a opinião de Portugal sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e, claro, sobre o fado e o bacalhau. Segue-se um excerto dessa entrevista.
Tem alguma esperança sobre a adesão da Turquia à UE?
A posição assumida por Portugal tem sido sempre consistente quanto à adesão da Turquia. Se pretendemos uma Europa com maior firmeza no palco internacional, que tenha uma opinião influente quanto à paz, segurança e estabilidade, então a Europa precisa da Turquia. Pretendemos que todos os obstáculos colocados quanto à abertura de novos capítulos sejam retirados. Pretendemos que não haja capítulos congelados. É contudo evidente que tal necessita da boa vontade de ambas as partes. As negociações de acesso são sempre difíceis e tanto as autoridades turcas como a opinião pública deveriam estar ao corrente. Trata-se de um compromisso de 27 estados membros; cada um com o seu interesse específico. Espero que o Governo turco continue com as reformas estruturais. Penso que até agora a Turquia não terá muitas razões de queixa, tendo em atenção que muitas outras negociações de adesão foram extremamente difíceis. Portugal, por exemplo, teve que esperar que as negociações com a Espanha fossem finalizadas.
Vai fazer uma conferência na Universidade Turca do Bósforo sobre o processo de adesão de Portugal à União Europeia e sobre o que a Turquia poderá aprender a partir desse processo. Quais são as questões principais que irá abordar?
Talvez o termo “aprender” não seja aqui o mais adequado. Seria melhor o termo partilhar uma experiência. A adesão de Portugal teve lugar quando eu fui Primeiro-ministro. Assumi este cargo no princípio de Novembro de 1985 e a adesão de Portugal teve lugar a 1 de Janeiro de 1986. Fui Primeiro-ministro de Portugal durante os primeiros dez anos em que Portugal foi um Estado membro. Foi uma época de enormes desafios e de grande entusiasmo.
Julgo que Portugal beneficiou muito como Estado membro, mas a UE também beneficiou bastante, devidos às nossas relações especiais com África, com a América Latina e com países e povos do Extremo Oriente. Devemos também destacar as relações muito especiais de Portugal com o Brasil. Este é o maior país de língua portuguesa no mundo e é hoje uma potência económica e política emergente. Tem bastantes semelhanças com a Turquia. Ambos os países são membros do G-20.
Não mencionou a Turquia como sendo um país com relações especiais com Portugal...
De facto nós estamos situados no extremo ocidental da Europa e a Turquia no extremo oriental. Mas somos ambos membros da NATO, somos ambos membros do Conselho da Europa, e Portugal espera que em breve sejamos também parceiros na UE. Eu julgo que existe uma verdadeira amizade entre os povos português e turco.
Sabe qual é a origem desta amizade?
Penso que Portugal, tal como a Turquia, é um ponto de encontro de culturas diferentes, de civilizações diferentes e de religiões diferentes. Portugal é, tal como a Turquia, uma ponte entre culturas e civilizações. Somos uma ponte para o Atlântico, para a América do Sul, para a América do Norte. A Turquia é uma ponte para a Ásia e para África. Está localizada numa posição muito estratégica. De facto não somos assim tão diferentes um do outro. Senti isto na primeira vez que visitei a Turquia como turista. A passear nas ruas de Istambul, a visitar o Grande Bazar, a olhar para as caras das pessoas... Nasci no sul de Portugal. Aí, os muçulmanos estavam do outro lado do estreito. Mas devo destacar que embora as nossas relações políticas sejam excelentes, noutras áreas como a economia e a cultura a nossa cooperação e o nosso diálogo estão ainda longe do que poderiam ser.
Haverá alguma explicação para esta circunstância?
Há uma. Nos nossos 25 anos como membros da UE, os empresários portugueses concentraram as suas actividades económicas na área da UE. Era um mercado interno muito grande e eram vastos os potenciais abertos aos empresários portugueses. Agora, todavia, os nossos empresários estão a olhar para além destes, digamos, mercados tradicionais. Esta é uma das razões pelas quais trouxe à Turquia uma importante delegação comercial. É um grupo de cerca de quarenta empresários. Participarei num seminário económico, onde empresários turcos e portugueses se encontrarão e tenho conhecimento que muitos outros contactos estão sendo planeados. Não estamos pensando apenas no mercado interno da Turquia, mas também noutros mercados. Julgo que os empresários de ambos os países podem reflectir sobre a América Latina. Temos aí vantagens. Conhecemos o mercado e os povos da América Latina. Quanto a África, julgo saber que é intenção das autoridades turcas abrirem novas embaixadas em África. Temos relações excelentes com as nossas ex-colónias em África. Angola é uma potência económica emergente em África. O mesmo se passa em Moçambique. Os empresários portugueses poderão aprender com os seus congéneres turcos como fazer negócios no Cáucaso e nas regiões da Ásia Central sobre as quais sabemos ter a Turquia importantes conhecimentos. Julgo assim que este contacto entre empresários de ambos os países poderia ser um primeiro passo muito importante no incremento das nossas relações comerciais. Também gostaria de mencionar o turismo. Portugal e a Turquia são ambos países turísticos. Há muitos Portugueses que vêm à Turquia e que trazem lembranças maravilhosas. Temos hoje muito importantes operadores turísticos mundiais. Estão actualmente representados em dezenas de países. Não tenho a certeza se já estarão ou não na Turquia, mas poderão estar interessados em ali se instalarem. Estamos agora a ser muito inovadores na criação de novos produtos turísticos. Somos apenas um país com dez milhões de habitantes, mas recebemos anualmente 14 milhões de turistas. Esta é uma importantíssima área de cooperação.
Há matérias que poderemos debater quanto a investimento directo estrangeiro. Um dos maiores investimentos na Turquia num sector não-financeiro é uma empresa portuguesa. Esta empresa investiu cerca de um bilião de dólares americanos na Turquia. E há outras áreas em que nos desenvolvemos muito rapidamente nos últimos anos. Uma destas áreas que pode ser ainda mais desenvolvida é a das energias alternativas. Portugal é um dos países que estão a investir fortemente em energias renováveis, especialmente em energia eólica. Temos excelentes parcerias com empresas alemãs e estamos actualmente a produzir em Portugal aquelas torres gigantes bem como os geradores. Para além das energias renováveis podemos cooperar em aplicações de software, na indústria farmacêutica, na indústria electrónica e, muito importante, nas infra-estruturas. Durante o processo de adesão Portugal beneficiou de fundos estruturais. Construímos auto-estradas até ao ponto em que eu próprio por vezes digo que temos auto-estradas a mais. Graças àquele processo de adesão desenvolvemos empresas especializadas em infra-estruturas que hoje estão a executar trabalhos na Polónia, na Hungria e em África. Uma empresa portuguesa está a construir o metropolitano de Telavive. Estamos em todo o mundo. Esta é mais uma área de cooperação.
Referiu apenas a economia, mas também já citou cooperação cultural.
Com certeza. Já existe cooperação entre um instituto português e a Universidade de Ancara. Espero que seja possível reforçar tal cooperação. Espero também que possamos criar uma comissão conjunta de autoridades portuguesas e turcas para debater o que mais se poderá empreender na área cultural. Já é possível aprender a língua portuguesa na Universidade de Ancara, mas devemos também pensar em Istambul. A música é outra área cultural sobre a qual podemos trabalhar. Vou levar comigo uma das mais famosas cantoras de Fado. Esta é a nossa música tradicional e a Kátia Guerreiro fez parte da minha campanha eleitoral. Foi a minha interlocutora com a juventude. Conheço-a muito bem e estou certo que o povo turco vai adorar a sua voz. Também levo uma exposição de pintura portuguesa para Istambul. São pinturas dos séculos XIX e XX. O nome da exposição será “Lisboa: Memórias de outra cidade”. Houve aqui, em 2007, uma exposição de pinturas turcas. Julgamos que seria uma boa ideia demonstrar as semelhanças entre as paisagens de Istambul e as de Lisboa. Assim, a exposição está organizada de tal forma que, embora estejamos tão afastados em termos geográficos, estamos de facto muito próximos em muito outros aspectos, incluindo as paisagens das nossas principais cidades.
Verifiquei que Portugal é famoso pela produção de azulejos. Sempre pensei que tal fosse uma arte unicamente turca.
Bem, temos um museu de lindos azulejos de Lisboa. Poderia de facto ser uma influência otomana. Mas parece-me ser mais uma influência do mar. Temos apenas um país vizinho, a Espanha, e um enorme mar aberto à nossa frente. As nossas fronteiras com a Espanha não se alteraram nos últimos 700 anos. Por isso tivemos que contar com o mar. Foi por esta razão que os nossos famosos navegadores descobriram o caminho marítimo para a Índia e chegaram até ao Japão. No Japão existe uma famosa ilha, que se chama Nagashima. Os Portugueses introduziram as armas de fogo no Japão a alteraram a forma como as guerras entre os senhores das terras eram combatidas. Há uma festividade nesta ilha, que celebra unicamente a introdução das armas de fogo pelos Portugueses no Japão. A influência do mar não é apenas a do Oceano Atlântico, mas também do Mar Mediterrâneo. A temperatura não é tão agradável como a das águas turcas mas aqui é muito acolhedor e sossegado.
O mar é também a origem do Fado. Conheço o Fado como uma música triste e melancólica. Mas o povo português gosta de sorrir. O Senhor tem um dos sorrisos mais simpáticos de todos os líderes europeus. Não acha isso curioso?
O Fado é um pouco melancólico. Mas temos dois tipos de Fado: o Fado de Lisboa e o Fado de Coimbra. O Fado de Coimbra está ligado à Universidade. Os estudantes cantam o Fado mais por amor. É uma forma de Fado muito diferente. Em Lisboa, como disse, é mais melancólico. É triste. No passado era a música das tabernas onde o povo bebia vinho e esta música triste incitava a que se bebesse mais. Mas hoje é cantado por caras jovens e bonitas. Quanto ao ser curioso... Na nossa cultura há outras coisas curiosas. Somos uma nação feliz com uma canção triste, mas ainda há outras. Por exemplo, o nosso peixe tradicional: o bacalhau. É impossível encontrar bacalhau na nossa costa. Tem de se ir à Noruega, ao Canadá, à Islândia e por aí adiante para encontrar o bacalhau. Então porque é que o nosso peixe tradicional é o bacalhau? Todo o nosso bacalhau é importado e é salgado. Os nossos navios iam aos mares daqueles países para o pescar e trazer, e como a viagem era muito longa tinham de o salgar. Mas também se diz que há 1001 maneiras de cozinhar bacalhau. Há uma ligação entre a melancolia do Fado e os pescadores saírem para a pesca do bacalhau. A melancolia do Fado está relacionada com aquele sentimento de partida: partida para a Índia, partida para a Madeira, mais tarde a partida dos emigrantes. É o sentimento da partida de alguém que amamos muito e que não temos a certeza que vai regressar. A este sentimento chamamos saudade.
O senhor também teve essa experiência. Foi para Moçambique em muito novo para servir nas forças armadas.
Fui para Moçambique e também fui para a Grã-Bretanha. Fui para a Grã-Bretanha já licenciado para me doutorar e para trabalhar como professor numa Universidade durante algum tempo. Fui para Moçambique para servir nas forças armadas. Parti de Lisboa num navio apenas dez dias após me ter casado. Primeiro não me deixaram levar a minha mulher, mas no fim consegui convencê-los. Viajou comigo no mesmo navio a viveu lá dois anos. Há uma razão pela qual tenho uma relação muito especial com Moçambique. Mas mesmo antes de ir para lá eu tinha muito bons amigos moçambicanos na Universidade. Voltaram para lá e hoje são ministros e gente muito importante no seu país. No ano passado resolvi levar toda a minha família a Moçambique, os meus filhos e os filhos destes. Quis mostrar-lhes onde tinha passado a minha lua-de-mel.
Talvez esta seja uma boa altura para falarmos sobre os Países de Língua Portuguesa e sobre o papel de Portugal na mobilização desses países para a política internacional. Qual é a sua percepção pessoal quanto a esta comunidade?
Oito países em todos os continentes e 250 milhões de pessoas que falam Português... Portugal assumiu agora a presidência dessa comunidade. No próximo ano será Angola que presidirá. Estamos a trabalhar em conjunto, os oito Estados membros, para reforçar aquela comunidade a nível internacional. Queremos que o português seja uma das línguas oficiais da ONU. Mas para além disto, nós, como Portugal, queremos continuar a ter um papel importante na UE. A UE é uma prioridade da nossa política externa. O papel de Portugal na UE foi muito claro durante a presidência portuguesa no segundo semestre de 2007. Conseguimos organizar uma Cimeira UE-África. Devo dizer que isto não é uma questão de orgulho irrealista. Nenhum outro país conseguiria juntar todos os países africanos com todos os 27 Estados membros da UE. Esta cimeira foi a primeira em que foi possível chegar a um acordo para uma estratégia conjunta. Foi também durante a presidência portuguesa que se estabeleceu uma parceria entre a UE e o Brasil. Portugal também conseguiu juntar a UE com a MERCOSUL, a organização latino-americana de integração regional. Temos de falar também sobre a Estratégia de Lisboa e sobre o Tratado de Lisboa. Embora sejamos um país pequeno, Lisboa já é uma palavra temática no dicionário europeu. A Estratégia de Lisboa foi configurada para melhorar a competitividade europeia. Até agora 26 países já aprovaram o Tratado de Lisboa. Espero que o Tratado de Lisboa possa ser implementado antes do final do ano corrente. É muito importante para o funcionamento da UE com 27 Estados membros. Aumentará a eficiência das instituições, Aumentará a transparência a fará da UE um protagonista global com maior relevo. Muito mais importante, contudo, será a possibilidade de criar condições para um futuro alargamento da União, incluindo a adesão da Turquia.
Todas as suas referências biográficas apontam para um conceito denominado “estabilidade dinâmica”. Este conceito aplica-se em ciências naturais. A que se refere quando se trata de política?
A estabilidade não é um fim em si próprio. Pretendemos a estabilidade para alcançar alguns objectivos que estão ligados ao bem-estar do povo. Assim, quando refiro dinâmica, quero dizer que não pretendemos deixar tudo na mesma situação. Mas temos também que evitar dificuldades: temos que atrasar o que é difícil, embora tal possa ser necessário. Sou a favor da estabilidade política porque estou convencido que é importante ser-se dinâmico nas acções. E quando o mundo se está a alterar de forma tão rápida, os agentes políticos também devem estar preparados para fazer alterações. Se assim não for outros virão e no futuro ficaremos arrependidos por não termos tido a sabedoria e coragem precisas para fazer o que teria sido necessário.
Como ex-professor de economia fiscal acha que o mundo estará a fazer o suficiente para lidar convenientemente com esta crise financeira? Muitos pensam que os EUA estão a tentar salvar os bancos e não o povo.
No passado houve muitas outras crises. No Japão, na Indonésia, no México, na Rússia, na Argentina e na Tailândia. Porque será esta diferente das antecedentes? Porque o núcleo da crise é a maior economia do mundo: os Estados Unidos. Foram praticados erros medonhos na avaliação do comportamento de risco dos bancos. Os valores e os princípios éticos foram violados pelos agentes bancários e no final receberam estes prémios. Os prémios são normalmente concedidos para compensar a boa gestão, mas desta vez foram-no por incumprimento. Então que fazer? Julgo que o primeiro passo a dar será o de estabilizar os mercados financeiros. É impossível que o crescimento económico continue sem um sistema financeiro. Julgo que as decisões tomadas em Londres, no G-20, apontavam na direcção correcta. Como sabe, a Turquia estava ali representada. O G-20 foi importante na medida em que constituiu o reconhecimento que esta foi uma crise que não pode ser resolvida apenas com diálogo entre os EUA e alguns países europeus. As economias emergentes têm um papel essencial na solução desta crise. E tal vai influenciar a futura geo-estratégia no mundo. Ficou bem claro com esta crise que os EUA não tinham a possibilidade de repor unilateralmente a estabilidade económica. E Obama assim reconheceu quando veio e disse “Eu estou aqui para aprender convosco”. Portanto a palavra-chave agora é cooperação. Uma crise global pode ser resolvida com cooperação global entre muitos países do mundo. A China tem um papel a cumprir, porque é um enorme credor dos EUA. Diz-se que possui mais de um trilião de dólares americanos em obrigações. Mas julgo que 2010 ainda vai ser um ano difícil.
Devemos começar a reler A Capital de Marx?
O modelo da economia de mercado é o único que pode reconciliar a liberdade e o respeito pelos direitos humanos com a economia e o progresso social. Poderá haver hoje uma retórica sobre o fim do capitalismo, mas no final verá que a economia de mercado sobrevive. Para recreio intelectual poderemos querer reler A Capital de Marx. Li-o quando era estudante. Para mim chegou.
Parece que a NATO está ter dificuldades no relacionamento com a Rússia. Estará a Rússia a voltar a ser o que era e estaremos a entrar novamente numa época de Guerra-fria?
Não, não acredito nessas premissas. A Rússia é um parceiro estratégico da União Europeia e também da NATO. O diálogo tem que ser mantido. Tal não quererá dizer que a UE não deveria ter condenado o que sucedeu na Geórgia. Mas a NATO e a UE não podem ignorar a Rússia e a contribuição da Rússia para a paz e estabilidade. O aumento dos preços do petróleo e do gás podem ter proporcionado a alguns líderes russos a sensação do Poderio do Petróleo e do Poderio do Gás. Mas os preços já não têm a dimensão que tinham em anos recentes. A Rússia necessita da UE em termos de diálogo político e económico e poderemos dizer o mesmo quanto à UE.
O Senhor é o único líder político da Europa que assinou o Tratado de Maastricht de 1992 e que ainda se encontra em actividade. Olhando o passado como avalia a União Monetária Europeia que ficou estabelecida naquele tratado?
Considero o Euro um grande sucesso. Basta pensar no que seria a situação hoje do mercado cambial se não fora o Euro. Repare na situação da Islândia. Repare no que seria a situação da Irlanda sem o Euro. Entendo que o Banco Central Europeu tem realizado na generalidade um bom trabalho. Como economista penso que conduziram melhor a política monetária europeia que o FED conduziu nos EUA. Começamos com 11 países e agora somos 16 e muitos outros gostariam de aderir no futuro. É evidente que existem os critérios de convergência. Não foi fácil para Portugal cumprir com esses critérios. Mas felizmente éramos um dos países fundadores da União Monetária Europeia. No decorrer das negociações, Margaret Thatcher estava sentada ao meu lado e dizia “Nunca me encontrarão aqui!”. Pode assim verificar que mesmo um grande país não foi capaz de dar aquele passo importante, digamos, de avanço político na integração. Moeda, bandeira e equipas de futebol são símbolos de soberania. Para muitos países tais como a Alemanha, por exemplo, aceitar a desistência do Marco Alemão não foi tarefa fácil. Devemos louvar o Chanceler Kohl por essa razão. Sem o Chanceler Kohl teria sido impossível a criação da UME. Espero bem que um dia o povo turco também decida que em vez da Lira Turca deverá conviver com o Euro. Para países como Portugal, a eliminação dos custos das transacções, a eliminação de incertezas e a possibilidade de obter empréstimos e reembolsá-los na sua própria moeda é muito importante. Hoje a banca portuguesa pode ir à Alemanha obter empréstimos em Euros e reembolsá-los em Euros. Foi esse o problema da Islândia. Tiveram problemas em efectuar reembolsos em Euros. Se examinarmos os 50 anos da integração europeia, embora tenham surgido pequenos problemas de vez em quando, podemos afirmar que foi um caso de grande sucesso. Cinquenta anos de paz e prosperidade, e uma Europa com uma voz muito mais firme no palco internacional. Se a Turquia se juntar à UE passará a ter uma influência que isolada nunca poderá ter na política internacional. Mesmo um Estado membro de menor dimensão tem a possibilidade de projectar a sua própria imagem na política mundial através da UE. Mas a escolha pertence ao povo turco.
O Presidente da República Portuguesa chega hoje à Turquia para uma Visita Oficial de quatro dias. Terá encontros com o Presidente Abdullah Gül, com o Primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan e com o líder do principal partido da oposição. Cavaco Silva fará também uma intervenção perante a Grande Assembleia Nacional Turca. Será o primeiro presidente estrangeiro a discursar perante a Assembleia após o Presidente americano Barack Obama. Cavaco Silva será acompanhado por um grupo de empresários portugueses que irão debater com os seus congéneres turcos a penetração em conjunto dos mercados Latino-Americano, Africano, do Cáucaso e da Ásia Central. Cavaco Silva inaugurará uma exposição de quadros de artistas portugueses em Istambul e oferecerá um jantar oficial em honra do Presidente Gül que se seguirá a um concerto de fado da cantora portuguesa Kátia Guerreiro.
O Today’s Zaman entrevistou o Presidente Cavaco Silva, que foi anteriormente professor catedrático de política fiscal e Primeiro-ministro do seu país durante dez anos após 1985, sobre a actual crise financeira, sobre o endurecimento das relações diplomáticas entre a Rússia e a NATO, a opinião de Portugal sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e, claro, sobre o fado e o bacalhau. Segue-se um excerto dessa entrevista.
Tem alguma esperança sobre a adesão da Turquia à UE?
A posição assumida por Portugal tem sido sempre consistente quanto à adesão da Turquia. Se pretendemos uma Europa com maior firmeza no palco internacional, que tenha uma opinião influente quanto à paz, segurança e estabilidade, então a Europa precisa da Turquia. Pretendemos que todos os obstáculos colocados quanto à abertura de novos capítulos sejam retirados. Pretendemos que não haja capítulos congelados. É contudo evidente que tal necessita da boa vontade de ambas as partes. As negociações de acesso são sempre difíceis e tanto as autoridades turcas como a opinião pública deveriam estar ao corrente. Trata-se de um compromisso de 27 estados membros; cada um com o seu interesse específico. Espero que o Governo turco continue com as reformas estruturais. Penso que até agora a Turquia não terá muitas razões de queixa, tendo em atenção que muitas outras negociações de adesão foram extremamente difíceis. Portugal, por exemplo, teve que esperar que as negociações com a Espanha fossem finalizadas.
Vai fazer uma conferência na Universidade Turca do Bósforo sobre o processo de adesão de Portugal à União Europeia e sobre o que a Turquia poderá aprender a partir desse processo. Quais são as questões principais que irá abordar?
Talvez o termo “aprender” não seja aqui o mais adequado. Seria melhor o termo partilhar uma experiência. A adesão de Portugal teve lugar quando eu fui Primeiro-ministro. Assumi este cargo no princípio de Novembro de 1985 e a adesão de Portugal teve lugar a 1 de Janeiro de 1986. Fui Primeiro-ministro de Portugal durante os primeiros dez anos em que Portugal foi um Estado membro. Foi uma época de enormes desafios e de grande entusiasmo.
Julgo que Portugal beneficiou muito como Estado membro, mas a UE também beneficiou bastante, devidos às nossas relações especiais com África, com a América Latina e com países e povos do Extremo Oriente. Devemos também destacar as relações muito especiais de Portugal com o Brasil. Este é o maior país de língua portuguesa no mundo e é hoje uma potência económica e política emergente. Tem bastantes semelhanças com a Turquia. Ambos os países são membros do G-20.
Não mencionou a Turquia como sendo um país com relações especiais com Portugal...
De facto nós estamos situados no extremo ocidental da Europa e a Turquia no extremo oriental. Mas somos ambos membros da NATO, somos ambos membros do Conselho da Europa, e Portugal espera que em breve sejamos também parceiros na UE. Eu julgo que existe uma verdadeira amizade entre os povos português e turco.
Sabe qual é a origem desta amizade?
Penso que Portugal, tal como a Turquia, é um ponto de encontro de culturas diferentes, de civilizações diferentes e de religiões diferentes. Portugal é, tal como a Turquia, uma ponte entre culturas e civilizações. Somos uma ponte para o Atlântico, para a América do Sul, para a América do Norte. A Turquia é uma ponte para a Ásia e para África. Está localizada numa posição muito estratégica. De facto não somos assim tão diferentes um do outro. Senti isto na primeira vez que visitei a Turquia como turista. A passear nas ruas de Istambul, a visitar o Grande Bazar, a olhar para as caras das pessoas... Nasci no sul de Portugal. Aí, os muçulmanos estavam do outro lado do estreito. Mas devo destacar que embora as nossas relações políticas sejam excelentes, noutras áreas como a economia e a cultura a nossa cooperação e o nosso diálogo estão ainda longe do que poderiam ser.
Haverá alguma explicação para esta circunstância?
Há uma. Nos nossos 25 anos como membros da UE, os empresários portugueses concentraram as suas actividades económicas na área da UE. Era um mercado interno muito grande e eram vastos os potenciais abertos aos empresários portugueses. Agora, todavia, os nossos empresários estão a olhar para além destes, digamos, mercados tradicionais. Esta é uma das razões pelas quais trouxe à Turquia uma importante delegação comercial. É um grupo de cerca de quarenta empresários. Participarei num seminário económico, onde empresários turcos e portugueses se encontrarão e tenho conhecimento que muitos outros contactos estão sendo planeados. Não estamos pensando apenas no mercado interno da Turquia, mas também noutros mercados. Julgo que os empresários de ambos os países podem reflectir sobre a América Latina. Temos aí vantagens. Conhecemos o mercado e os povos da América Latina. Quanto a África, julgo saber que é intenção das autoridades turcas abrirem novas embaixadas em África. Temos relações excelentes com as nossas ex-colónias em África. Angola é uma potência económica emergente em África. O mesmo se passa em Moçambique. Os empresários portugueses poderão aprender com os seus congéneres turcos como fazer negócios no Cáucaso e nas regiões da Ásia Central sobre as quais sabemos ter a Turquia importantes conhecimentos. Julgo assim que este contacto entre empresários de ambos os países poderia ser um primeiro passo muito importante no incremento das nossas relações comerciais. Também gostaria de mencionar o turismo. Portugal e a Turquia são ambos países turísticos. Há muitos Portugueses que vêm à Turquia e que trazem lembranças maravilhosas. Temos hoje muito importantes operadores turísticos mundiais. Estão actualmente representados em dezenas de países. Não tenho a certeza se já estarão ou não na Turquia, mas poderão estar interessados em ali se instalarem. Estamos agora a ser muito inovadores na criação de novos produtos turísticos. Somos apenas um país com dez milhões de habitantes, mas recebemos anualmente 14 milhões de turistas. Esta é uma importantíssima área de cooperação.
Há matérias que poderemos debater quanto a investimento directo estrangeiro. Um dos maiores investimentos na Turquia num sector não-financeiro é uma empresa portuguesa. Esta empresa investiu cerca de um bilião de dólares americanos na Turquia. E há outras áreas em que nos desenvolvemos muito rapidamente nos últimos anos. Uma destas áreas que pode ser ainda mais desenvolvida é a das energias alternativas. Portugal é um dos países que estão a investir fortemente em energias renováveis, especialmente em energia eólica. Temos excelentes parcerias com empresas alemãs e estamos actualmente a produzir em Portugal aquelas torres gigantes bem como os geradores. Para além das energias renováveis podemos cooperar em aplicações de software, na indústria farmacêutica, na indústria electrónica e, muito importante, nas infra-estruturas. Durante o processo de adesão Portugal beneficiou de fundos estruturais. Construímos auto-estradas até ao ponto em que eu próprio por vezes digo que temos auto-estradas a mais. Graças àquele processo de adesão desenvolvemos empresas especializadas em infra-estruturas que hoje estão a executar trabalhos na Polónia, na Hungria e em África. Uma empresa portuguesa está a construir o metropolitano de Telavive. Estamos em todo o mundo. Esta é mais uma área de cooperação.
Referiu apenas a economia, mas também já citou cooperação cultural.
Com certeza. Já existe cooperação entre um instituto português e a Universidade de Ancara. Espero que seja possível reforçar tal cooperação. Espero também que possamos criar uma comissão conjunta de autoridades portuguesas e turcas para debater o que mais se poderá empreender na área cultural. Já é possível aprender a língua portuguesa na Universidade de Ancara, mas devemos também pensar em Istambul. A música é outra área cultural sobre a qual podemos trabalhar. Vou levar comigo uma das mais famosas cantoras de Fado. Esta é a nossa música tradicional e a Kátia Guerreiro fez parte da minha campanha eleitoral. Foi a minha interlocutora com a juventude. Conheço-a muito bem e estou certo que o povo turco vai adorar a sua voz. Também levo uma exposição de pintura portuguesa para Istambul. São pinturas dos séculos XIX e XX. O nome da exposição será “Lisboa: Memórias de outra cidade”. Houve aqui, em 2007, uma exposição de pinturas turcas. Julgamos que seria uma boa ideia demonstrar as semelhanças entre as paisagens de Istambul e as de Lisboa. Assim, a exposição está organizada de tal forma que, embora estejamos tão afastados em termos geográficos, estamos de facto muito próximos em muito outros aspectos, incluindo as paisagens das nossas principais cidades.
Verifiquei que Portugal é famoso pela produção de azulejos. Sempre pensei que tal fosse uma arte unicamente turca.
Bem, temos um museu de lindos azulejos de Lisboa. Poderia de facto ser uma influência otomana. Mas parece-me ser mais uma influência do mar. Temos apenas um país vizinho, a Espanha, e um enorme mar aberto à nossa frente. As nossas fronteiras com a Espanha não se alteraram nos últimos 700 anos. Por isso tivemos que contar com o mar. Foi por esta razão que os nossos famosos navegadores descobriram o caminho marítimo para a Índia e chegaram até ao Japão. No Japão existe uma famosa ilha, que se chama Nagashima. Os Portugueses introduziram as armas de fogo no Japão a alteraram a forma como as guerras entre os senhores das terras eram combatidas. Há uma festividade nesta ilha, que celebra unicamente a introdução das armas de fogo pelos Portugueses no Japão. A influência do mar não é apenas a do Oceano Atlântico, mas também do Mar Mediterrâneo. A temperatura não é tão agradável como a das águas turcas mas aqui é muito acolhedor e sossegado.
O mar é também a origem do Fado. Conheço o Fado como uma música triste e melancólica. Mas o povo português gosta de sorrir. O Senhor tem um dos sorrisos mais simpáticos de todos os líderes europeus. Não acha isso curioso?
O Fado é um pouco melancólico. Mas temos dois tipos de Fado: o Fado de Lisboa e o Fado de Coimbra. O Fado de Coimbra está ligado à Universidade. Os estudantes cantam o Fado mais por amor. É uma forma de Fado muito diferente. Em Lisboa, como disse, é mais melancólico. É triste. No passado era a música das tabernas onde o povo bebia vinho e esta música triste incitava a que se bebesse mais. Mas hoje é cantado por caras jovens e bonitas. Quanto ao ser curioso... Na nossa cultura há outras coisas curiosas. Somos uma nação feliz com uma canção triste, mas ainda há outras. Por exemplo, o nosso peixe tradicional: o bacalhau. É impossível encontrar bacalhau na nossa costa. Tem de se ir à Noruega, ao Canadá, à Islândia e por aí adiante para encontrar o bacalhau. Então porque é que o nosso peixe tradicional é o bacalhau? Todo o nosso bacalhau é importado e é salgado. Os nossos navios iam aos mares daqueles países para o pescar e trazer, e como a viagem era muito longa tinham de o salgar. Mas também se diz que há 1001 maneiras de cozinhar bacalhau. Há uma ligação entre a melancolia do Fado e os pescadores saírem para a pesca do bacalhau. A melancolia do Fado está relacionada com aquele sentimento de partida: partida para a Índia, partida para a Madeira, mais tarde a partida dos emigrantes. É o sentimento da partida de alguém que amamos muito e que não temos a certeza que vai regressar. A este sentimento chamamos saudade.
O senhor também teve essa experiência. Foi para Moçambique em muito novo para servir nas forças armadas.
Fui para Moçambique e também fui para a Grã-Bretanha. Fui para a Grã-Bretanha já licenciado para me doutorar e para trabalhar como professor numa Universidade durante algum tempo. Fui para Moçambique para servir nas forças armadas. Parti de Lisboa num navio apenas dez dias após me ter casado. Primeiro não me deixaram levar a minha mulher, mas no fim consegui convencê-los. Viajou comigo no mesmo navio a viveu lá dois anos. Há uma razão pela qual tenho uma relação muito especial com Moçambique. Mas mesmo antes de ir para lá eu tinha muito bons amigos moçambicanos na Universidade. Voltaram para lá e hoje são ministros e gente muito importante no seu país. No ano passado resolvi levar toda a minha família a Moçambique, os meus filhos e os filhos destes. Quis mostrar-lhes onde tinha passado a minha lua-de-mel.
Talvez esta seja uma boa altura para falarmos sobre os Países de Língua Portuguesa e sobre o papel de Portugal na mobilização desses países para a política internacional. Qual é a sua percepção pessoal quanto a esta comunidade?
Oito países em todos os continentes e 250 milhões de pessoas que falam Português... Portugal assumiu agora a presidência dessa comunidade. No próximo ano será Angola que presidirá. Estamos a trabalhar em conjunto, os oito Estados membros, para reforçar aquela comunidade a nível internacional. Queremos que o português seja uma das línguas oficiais da ONU. Mas para além disto, nós, como Portugal, queremos continuar a ter um papel importante na UE. A UE é uma prioridade da nossa política externa. O papel de Portugal na UE foi muito claro durante a presidência portuguesa no segundo semestre de 2007. Conseguimos organizar uma Cimeira UE-África. Devo dizer que isto não é uma questão de orgulho irrealista. Nenhum outro país conseguiria juntar todos os países africanos com todos os 27 Estados membros da UE. Esta cimeira foi a primeira em que foi possível chegar a um acordo para uma estratégia conjunta. Foi também durante a presidência portuguesa que se estabeleceu uma parceria entre a UE e o Brasil. Portugal também conseguiu juntar a UE com a MERCOSUL, a organização latino-americana de integração regional. Temos de falar também sobre a Estratégia de Lisboa e sobre o Tratado de Lisboa. Embora sejamos um país pequeno, Lisboa já é uma palavra temática no dicionário europeu. A Estratégia de Lisboa foi configurada para melhorar a competitividade europeia. Até agora 26 países já aprovaram o Tratado de Lisboa. Espero que o Tratado de Lisboa possa ser implementado antes do final do ano corrente. É muito importante para o funcionamento da UE com 27 Estados membros. Aumentará a eficiência das instituições, Aumentará a transparência a fará da UE um protagonista global com maior relevo. Muito mais importante, contudo, será a possibilidade de criar condições para um futuro alargamento da União, incluindo a adesão da Turquia.
Todas as suas referências biográficas apontam para um conceito denominado “estabilidade dinâmica”. Este conceito aplica-se em ciências naturais. A que se refere quando se trata de política?
A estabilidade não é um fim em si próprio. Pretendemos a estabilidade para alcançar alguns objectivos que estão ligados ao bem-estar do povo. Assim, quando refiro dinâmica, quero dizer que não pretendemos deixar tudo na mesma situação. Mas temos também que evitar dificuldades: temos que atrasar o que é difícil, embora tal possa ser necessário. Sou a favor da estabilidade política porque estou convencido que é importante ser-se dinâmico nas acções. E quando o mundo se está a alterar de forma tão rápida, os agentes políticos também devem estar preparados para fazer alterações. Se assim não for outros virão e no futuro ficaremos arrependidos por não termos tido a sabedoria e coragem precisas para fazer o que teria sido necessário.
Como ex-professor de economia fiscal acha que o mundo estará a fazer o suficiente para lidar convenientemente com esta crise financeira? Muitos pensam que os EUA estão a tentar salvar os bancos e não o povo.
No passado houve muitas outras crises. No Japão, na Indonésia, no México, na Rússia, na Argentina e na Tailândia. Porque será esta diferente das antecedentes? Porque o núcleo da crise é a maior economia do mundo: os Estados Unidos. Foram praticados erros medonhos na avaliação do comportamento de risco dos bancos. Os valores e os princípios éticos foram violados pelos agentes bancários e no final receberam estes prémios. Os prémios são normalmente concedidos para compensar a boa gestão, mas desta vez foram-no por incumprimento. Então que fazer? Julgo que o primeiro passo a dar será o de estabilizar os mercados financeiros. É impossível que o crescimento económico continue sem um sistema financeiro. Julgo que as decisões tomadas em Londres, no G-20, apontavam na direcção correcta. Como sabe, a Turquia estava ali representada. O G-20 foi importante na medida em que constituiu o reconhecimento que esta foi uma crise que não pode ser resolvida apenas com diálogo entre os EUA e alguns países europeus. As economias emergentes têm um papel essencial na solução desta crise. E tal vai influenciar a futura geo-estratégia no mundo. Ficou bem claro com esta crise que os EUA não tinham a possibilidade de repor unilateralmente a estabilidade económica. E Obama assim reconheceu quando veio e disse “Eu estou aqui para aprender convosco”. Portanto a palavra-chave agora é cooperação. Uma crise global pode ser resolvida com cooperação global entre muitos países do mundo. A China tem um papel a cumprir, porque é um enorme credor dos EUA. Diz-se que possui mais de um trilião de dólares americanos em obrigações. Mas julgo que 2010 ainda vai ser um ano difícil.
Devemos começar a reler A Capital de Marx?
O modelo da economia de mercado é o único que pode reconciliar a liberdade e o respeito pelos direitos humanos com a economia e o progresso social. Poderá haver hoje uma retórica sobre o fim do capitalismo, mas no final verá que a economia de mercado sobrevive. Para recreio intelectual poderemos querer reler A Capital de Marx. Li-o quando era estudante. Para mim chegou.
Parece que a NATO está ter dificuldades no relacionamento com a Rússia. Estará a Rússia a voltar a ser o que era e estaremos a entrar novamente numa época de Guerra-fria?
Não, não acredito nessas premissas. A Rússia é um parceiro estratégico da União Europeia e também da NATO. O diálogo tem que ser mantido. Tal não quererá dizer que a UE não deveria ter condenado o que sucedeu na Geórgia. Mas a NATO e a UE não podem ignorar a Rússia e a contribuição da Rússia para a paz e estabilidade. O aumento dos preços do petróleo e do gás podem ter proporcionado a alguns líderes russos a sensação do Poderio do Petróleo e do Poderio do Gás. Mas os preços já não têm a dimensão que tinham em anos recentes. A Rússia necessita da UE em termos de diálogo político e económico e poderemos dizer o mesmo quanto à UE.
O Senhor é o único líder político da Europa que assinou o Tratado de Maastricht de 1992 e que ainda se encontra em actividade. Olhando o passado como avalia a União Monetária Europeia que ficou estabelecida naquele tratado?
Considero o Euro um grande sucesso. Basta pensar no que seria a situação hoje do mercado cambial se não fora o Euro. Repare na situação da Islândia. Repare no que seria a situação da Irlanda sem o Euro. Entendo que o Banco Central Europeu tem realizado na generalidade um bom trabalho. Como economista penso que conduziram melhor a política monetária europeia que o FED conduziu nos EUA. Começamos com 11 países e agora somos 16 e muitos outros gostariam de aderir no futuro. É evidente que existem os critérios de convergência. Não foi fácil para Portugal cumprir com esses critérios. Mas felizmente éramos um dos países fundadores da União Monetária Europeia. No decorrer das negociações, Margaret Thatcher estava sentada ao meu lado e dizia “Nunca me encontrarão aqui!”. Pode assim verificar que mesmo um grande país não foi capaz de dar aquele passo importante, digamos, de avanço político na integração. Moeda, bandeira e equipas de futebol são símbolos de soberania. Para muitos países tais como a Alemanha, por exemplo, aceitar a desistência do Marco Alemão não foi tarefa fácil. Devemos louvar o Chanceler Kohl por essa razão. Sem o Chanceler Kohl teria sido impossível a criação da UME. Espero bem que um dia o povo turco também decida que em vez da Lira Turca deverá conviver com o Euro. Para países como Portugal, a eliminação dos custos das transacções, a eliminação de incertezas e a possibilidade de obter empréstimos e reembolsá-los na sua própria moeda é muito importante. Hoje a banca portuguesa pode ir à Alemanha obter empréstimos em Euros e reembolsá-los em Euros. Foi esse o problema da Islândia. Tiveram problemas em efectuar reembolsos em Euros. Se examinarmos os 50 anos da integração europeia, embora tenham surgido pequenos problemas de vez em quando, podemos afirmar que foi um caso de grande sucesso. Cinquenta anos de paz e prosperidade, e uma Europa com uma voz muito mais firme no palco internacional. Se a Turquia se juntar à UE passará a ter uma influência que isolada nunca poderá ter na política internacional. Mesmo um Estado membro de menor dimensão tem a possibilidade de projectar a sua própria imagem na política mundial através da UE. Mas a escolha pertence ao povo turco.
(Fonte: Presidência da República)
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