29 março 2013

Erdoğan joga ás curdo

O apelo feito na semana passada a partir da prisão pelo líder histórico dos rebeldes curdos para que os combatentes baixem as armas e abandonem a Turquia abre novas perspectivas para a consolidação de Ancara como potência regional e para a afirmação do projecto de poder do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan. Ocalan, detido desde 1999 na ilha-prisão de Imrali, onde passou dez anos em solitária, pediu o fim do conflito armado que matou mais de 40.000 pessoas nos últimos 30 anos, dizendo ser hora de uma luta meramente "democrática e política". O anúncio, dito "histórico" pelo próprio dirigente do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) mas não verdadeiramente inédito, terá sido o culminar de negociações entre Ocalan e Erdoğan, que se fez representar ao longo dos últimos meses em Imrali através do chefe da secreta turca Hakan Fidan. Este avanço, impensável há menos de um ano perante a intensificação dos combates entre o exército turco e o PKK nos dois lados da fronteira com o Iraque, surge com o actual processo de revisão constitucional em Ancara como pano de fundo.
Erdoğan, líder de um partido islâmico moderado, quer rever as bases da república secular proclamada por Mustafa Kemal Atatürk em 1923, dando mais espaço à prática religiosa e retirando poder às forças armadas. Para tal, e perante a oposição do centro-esquerda laico, necessita do voto do partido pró-curdo Paz e Democracia. Em troca, a mais numerosa minoria etnica da Turquia poderá obter novas garantias constitucionais ao nível dos direitos culturais e de cidadania. Actualmente, a lei kemalista consagra o país euro-asiático como uma nação etnicamente homogénea. Tal seria suficiente para satisfazer a maioria dos curdos da Turquia, hoje mais interessados na autonomia do sudeste do país, onde são maioritários, do que num estado independente. A concretizar-se a trégua e uma possível troca de prisioneiros (possivelmente com a inclusão de Ocalan), o primeiro-ministro turco conseguiria ainda desarmadilhar uma crescente ameaça por parte da Síria e do Irão, países suspeitos de instrumentalizar a causa curda na sua oposição à agenda de Ancara para o Médio Oriente. Deste modo, o maior dos povos sem pátria continuaria a sê-lo. Pelo menos, enquanto o Curdistão iraquiano não romper definitivamente com Bagdade. É naquela região do nordeste do Iraque que os curdos gozam hoje de maior autonomia política, bem como de uma relativa prosperidade proporcionada pelo petróleo. Também neste caso, beneficiados por recentes acordos com Ancara, que desde 2012 importa crude daquela região e planeia agora a construção de oleodutos e gasodutos que irão impulsionar as exportações curdas.

(Fonte: Sol)

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