04 março 2010

Manobras de alto risco na Turquia

O braço de ferro entre o governo "islamita moderado" e as forças armadas prossegue na Turquia. O número de militares presos por alegado envolvimento em tentativa de golpe de Estado já é de 67. A última operação concretizou mais 18 detenções, 17 das quais de militares no activo. "Os que conspiram contra a nação devem enfrentar agora a justiça", declarou o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan.
A situação interna na Turquia é de tensão, tendo em conta o papel que as forças armadas desempenham no sistema político turco, habitualmente apoiadas pelo sector judicial desde os períodos de ditadura militar, quatro desde 1960.
Erdoğan afirma que um dos objectivos do seu governo é fazer com que o poder militar fique subordinado às instituições políticas, um passo necessário para que o processo de integração da Turquia na União Europeia se possa desenvolver.
Todas as prisões de militares têm sido feitas sob a acusação de alegada participação no chamado Plano Balyoz, uma conspiração cujo suposto objectivo seria derrubar o governo de Erdoğan em 2003. O frente-a-frente entre o actual governo e as forças armadas não significa apenas o tradicional braço de ferro entre políticos e militares.
O carácter islamita do executivo suscita um factor de descontentamento acrescido nos quartéis e nos meandros da justiça, sectores que se consideram a si mesmos os guardiões do carácter laico do moderno Estado turco.
O aparelho judicial, por pressão dos militares, já ilegalizara por duas vezes o partido islamita, que se viu forçado a mudar de nome e a encontrar novos dirigentes, uma vez que os anteriores ficaram com os direitos políticos suspensos. Ainda assim, os religiosos chegaram ao governo sob o comando de Erdoğan e a designação de "Partido da Justiça e Desenvolvimento".
Analistas da situação turca consideram que a tensão é ainda maior porque não existem condições para um duelo entre os militares, por um lado, e a classe política unida, do outro. A política assumida pelos islamitas, sobretudo pelo carácter religioso que tem vindo gradualmente a ser imposto nas escolas e outros aspectos da vida social, provoca grande descontentamento entre os sectores políticos laicos e os que, mesmo não o sendo, defendem uma clara separação entre a Igreja e o Estado. Daí que se diga que o partido de Erdoğan está quase por sua conta contra os militares, o que significa uma jogada de alto risco, principalmente a partir do momento em que começou a defender prisões em massa de oficiais de elevadas patentes, entre eles três chefes recentes dos três ramos das forças armadas.
Erdoğan reuniu-se na semana passada com o chefe em exercício das forças armadas para transmitir ao país uma sensação de normalidade institucional mas, segundo a generalidade da comunicação social, o epílogo do encontro foi vago e, por isso, pouco convincente.
Depois da reunião foram libertados o ex-comandante da força aérea, general Ibrahim Fırtına, e o ex-comandante da marinha, almirante Özden Örnek, considerados à partida os principais responsáveis pelo alegado golpe. A Procuradoria de Istambul alegou que a libertação se ficou a dever ao facto de já não ser possível alterar as provas e de não haver hipóteses de fuga dos acusados.
Numa mensagem ao país Erdoğan afirmou que os problemas serão resolvidos "com bom senso" e dentro do "marco legal", pelo que pediu "tranquilidade" à população. O primeiro-ministro acrescentou que, ao contrário do que pedem os partidos da oposição como caminho para clarificar a vida da Turquia, as eleições gerais previstas para 2011 não serão antecipadas.
Na mesma ocasião, o primeiro-ministro abriu uma outra frente de polémica com a comunicação social, acusando colunistas de perturbarem o funcionamento da Bolsa de Istambul com artigos sobre a tensão entre o governo e os militares. "Os colunistas têm o direito de me criticar, mas sou obrigado a avisá-los: todos devem conhecer o seu papel e o seu lugar e não têm o direito de provocar rensão no país." Aos editores pediu que controlem os jornalistas e lhes "paguem o salário".
Os militares detidos na última vaga foram acusados de planear, no âmbito do Plano Balyioz, vários atentados, mediante a colocação de bombas nas mesquitas de Fatih e Beyazıt à hora da saída das orações de sexta-feira.
A conspiração pretendia alegadamente criar um conflito com a Grécia através do derrube de um avião militar turco sobre o Egeu e uma situação de instabilidade interna que levasse à instauração da lei marcial e à prisão em massa de intelectuais e de outros cidadãos que se opõem ao papel dos militares na política turca.

(Fonte: Esquerda.Net)

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