30 março 2009

AKP de Erdoğan vence autárquicas mas perde terreno

AKP de Erdoğan vence autárquicas mas perde terreno

Apesar da crise económica global, e mesmo depois de seis anos de poder absoluto, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, com origem no islamismo moderado), do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan, confirmou o seu domínio na cena política turca, vencendo de forma clara as eleições autárquicas, com mais de 39% do voto nacional - conquistou as câmaras municipais de mais de metade (45) das 81 capitais de província, incluindo as câmaras de Istambul (15 milhões de habitantes) e Ancara (4 milhões), as duas principais metrópoles do país. No entanto, desceu consideravelmente a nível nacional (obteve 47% nas últimas eleições legislativas em 2007), perdeu Antália (1 milhão) para a oposição (apesar de uma série de obras públicas mediáticas, incluindo um metro de superfície), e não conquistou as câmaras de Izmir (3 milhões) e Adana (1 milhão), todas na costa do mediterrâneo, que continuaram a resistir ao AKP. E sobretudo, falhou o objectivo assumido de conquistar os municípios do sudeste do país, que permaneceram nas mãos do Partido da Sociedade Democrática (DTP, curdo).

Primeira descida do AKP
Desde a sua fundação em 2001 o AKP registou sempre um crescendo de vitórias. Nas últimas autárquicas em 2004 tinha conquistado quase 42% do voto, e dominou por completo as eleições legislativas em 2007, onde obteve uma confortável maioria absoluta (47%). Como resultado, nos comícios do AKP começavam a aparecer cartazes a apelidar o popular primeiro-ministro de Sultão Erdogan I, numa referência ao passado Otomano e ao domínio absoluto da cena política turca.
Perante uma oposição fraca e dividida, Erdoğan e o seu AKP pareciam imbatíveis - mas estas eleições começaram a abrir algumas brechas no maior partido da Turquia. Em alguns dos seus círculos mais fiéis, não conseguiu superar a fasquia dos 40% - o que levou alguns observadores a vaticinarem que estas eleições poderão marcar o princípio da queda do AKP: "A lâmpada [símbolo do AKP] está a dar uma luz mais fosca", vaticinou o Hürriyet, um dos principais diários do país. Luz que, ironicamente, faltou várias vezes em Ancara ontem à noite, provocando problemas nos computadores da Comissão Nacional de Eleições - o que levou alguns líderes da oposição a lançarem suspeitas sobre os resultados finais. A verdade é que o escrutínio nas duas principais cidades da Turquia teve resultados mais equilibrados do que o esperado, em parte porque a oposição apresentou candidatos fortes para fazer frente às administrações AKP.
Em Istambul, a maior cidade da Europa, o candidato do AKP e actual presidente da câmara Kadir Topbaş ganhou com 44% dos votos, uns pontos à frente do deputado do Partido Republicano do Povo (CHP, kemalista), Kemal Kılıçdaroğlu (37%). Na capital turca Melih Gökçek, do AKP, o controverso presidente do município, frequentemente acusado de ser um déspota corrupto, suplantou o seu opositor do CHP Murat Karayalçin (38%-32%), mas perdeu quase 20% do voto em relação às ultimas autárquicas.

Partido curdo vence no Sudeste
O DTP, que reentrou no parlamento nacional em Ancara nas últimas eleições legislativas, depois de vários anos de ausência por imposição legal, e considerado por muitos o braço político do PKK, o ilegalizado Partido dos Trabalhadores do Curdistão, organização separatista curda que luta de forma violenta contra o Estado turco, conseguiu resistir à investida do AKP, e obteve bons resultados, conquistando a maioria das câmaras do Sudeste da Turquia (região de maioria curda), incluindo a de Diyarbakır, a maior cidade da área, com mais de 1 milhão de habitantes.
Nas últimas eleições legislativas o AKP conseguiu excelentes resultados mesmo nesta região, e Erdoğan passou a ambicionar suplantar o voto étnico, que lhe permitisse pôr fim ao violento conflito armado que aflige aquela região da Turquia há quase 30 anos e já provocou mais de 30,000 vítimas.
Nos últimos meses o AKP procurou isolar o DTP, e demonstrou alguma iniciativa para acabar de vez com o "problema curdo". Em Janeiro o canal estatal de televisão TRT inaugurou o TRT seis, em língua curda, um marco histórico e simbólico na história recente da Turquia - recorde-se que até há bem poucos anos a língua curda era legalmente proibida em eventos públicos.
Nesta campanha, Erdoğan prometeu abrir também um canal de rádio nacional em Curdo, e até sugeriu que os slogans nacionalistas anti-curdos pintados por essa Turquia fora nas paredes dos quartéis ou nas encostas das montanhas fossem retirados. O chefe do Executivo jogou forte e quis conquistar Diyarbakır - um dos seus ministros sugeriu que só uma câmara da mesma cor do Governo poderia resultar no desenvolvimento económico da região, mas os Curdos votaram em bloco no "seu" partido étnico. "Este é o nosso castelo", respondeu o carismático Osman Baydemir, que renovou o seu mandato à frente da câmara de Diyarbakır. Baydemir ganhou notoriedade como o jovem advogado que se ofereceu para defender Abdullah Ocalan, o líder do PKK, quando este foi capturado pelo exército turco, e que se encontra actualmente a cumprir prisão perpétua em isolamento.
Ontem à noite, várias centenas de jovens curdos ensaiaram algumas manifestações no centro de Diyarbakır, gritando "Amed (o nome curdo para a cidade) é nossa, Turcos vão-se embora, AKP vai-te embora!". A sede local do AKP chegou a ser apedrejada e houve confrontos com a polícia.
"As eleições autárquicas deviam ser sobre quem oferece os melhores serviços, e a modernização - infelizmente funcionou o voto étnico" reconheceu Erdoğan , que considerou também que os resultados eleitorais "ficaram aquém das minhas ambições. Saberemos tirar as ilações necessárias".
As eleições ficaram ainda marcadas pela morte, ontem, de seis pessoas, em vários pontos do leste da Turquia, uma violência relacionada com o acto eleitoral devido a feudos entre famílias e clãs de candidatos a administradores locais (Muhtar, o equivalente a presidente da Junta de Freguesia). Na semana passada o líder de um pequeno mas aguerrido partido da oposição (ultranacionalista) morreu também quando o helicóptero que o transportava de um comício no centro da Anatólia caiu numa zona montanhosa coberta de neve.

E agora?

A generalidade dos observadores considera que esta advertência ao AKP será levada a sério no quartel-general de Erdoğan - é provável que o primeiro-ministro proceda a uma remodelação governamental para renovar a imagem do Executivo. Uma das prioridades do Executivo é agora levar a cabo as emendas constitucionais que são absolutamente necessárias para relançar o moribundo processo de negociação para a adesão plena da Turquia à UE. No passado, as diferenças de posição entre o AKP e a oposição impediram qualquer acordo, mas tudo parece indicar que, depois destes resultados, todos apresentem agora posições mais conciliatórias. E o Governo poderá finalmente assinar um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional)tendo cem vista um empréstimo para ajudar à recuperação da economia turca - no período pré-eleitoral as condições de controlo da despesa pública exigidos pelo Fundo Monetário provocaram resistências em muitas administrações locais...

Eleições autárquicas na Turquia. Alguns números:

Número de eleitores - 48 milhões
Votantes - 40 milhões


Percentagem do voto total:
AKP (islamita moderado, no Governo) - 38,93%
CHP (kemalista, esquerda nacionalista) - 23,19%
MHP (nacionalista) - 16,13%
DTP (curdo) - 5,47%
SP (islamita)- 5,17%

(Fonte: Expresso)

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