31 janeiro 2009

Israel e Turquia desvalorizam discussão entre Erdoğan e Peres

Foi num misto de euforia e apreensão que a Turquia recebeu, esta madrugada, o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdoğan, depois de, subitamente, ter abandonado um debate com o Presidente israelita, Shimon Peres, no Fórum Económico Mundial, em Davos (Suíça).
Em Istambul, milhares de pessoas saudaram Erdoğan como um herói por ter criticado a ofensiva em Gaza e ter confrontado Peres com a acusação de, “no que toca a matar, [Israel] sabe bem como matar”. O município decorou a rua em frente à residência do chefe do Governo com cravos vermelhos e prolongou o horário de funcionamento do metropolitano, com serviço gratuito para os que se deslocassem ao aeroporto.
Numa conferência de imprensa, à chegada, Erdoğan deu a sua versão do incidente: “O meu discurso durou 15 minutos. Quando chegou a vez do senhor Peres, ele falou durante 23 minutos, sem qualquer aviso ou advertência. Enquanto falava, usou termos insultuosos, inaceitáveis. (...) Eu disse que não levantava a minha voz, mas tinha de responder às críticas. ” Confessou ainda que ficou profundamente irritado com o modo como o jornalista americano David Ignatius moderou o debate, não o deixando responder ao longo monólogo de Peres durante o qual, apontando um dedo ao líder turco, o interpelou: “O que faria se caíssem todas as noites 100 ‘rockets’ em Istambul?”
Para Yavuz Baydar, do influente jornal “Today’s Zaman”, a recepção a Erdoğan explica-se pela “frustração de grande parte da população turca com o que considera ser ‘a barbárie’ das forças armadas israelitas contra os civis de Gaza”. Muitos não compreendem também “as posições cépticas do Egipto e da Arábia Saudita em relação ao Hamas, por isso, Erdoğan ajudou a exprimir os sentimentos populares, apresentando-se como um líder capaz de ‘dar uma dura lição ao intransigente Israel’. Os Turcos gostam de ser duros e terão visto elementos de justiça naquele jogo de gritos” em Davos, acrescentou Baydar, em declarações ao PÚBLICO, por “e-mail”.
Não estará a ira de Erdoğan relacionada com as eleições locais de 29 de Março? “Naturalmente”, responde Baydar. “Ele é um mestre da retórica que sabe cativar a multidão. É óbvio que viu aqui uma oportunidade de chamar eleitores para o seu partido [AKP]. É realista dizer que já assegurou outra vitória – ou que, pelo menos, salvou a sua popularidade”.
No entanto, alertou o analista, “se ganhou em casa, não se sabe ainda se a sua escolha de palavras na discussão com Peres caiu bem na Europa e na América [onde o lobby judeu tem convencido o Congresso a não aprovar uma lei do genocídio arménio e apoiado a luta turca contra os separatistas curdos do PKK]. Ao aperceber-se dos riscos, [Erdoğan] apressou-se a enfatizar que não era anti-semita nem incitou ao ódio com base na religião.”
Shimon Peres telefonou a Erdoğan para se explicar, e ambos concordaram que “não há nenhum conflito entre Israel e a Turquia.” Baydar também crê que “os danos não foram assim tão grandes que não possam ser reparados”. Porque “Israelitas e Turcos precisam uns dos outros numa região instável e sob ameaça. São as únicas democracias no bairro, e a cooperação militar é importante para ambos.” Reconhece, por outro lado, que os dez mil membros da comunidade judaica, em Istambul e em Izmir, se sentem “muito mal”.
“Há um grande medo na comunidade”, constatou Baydar. “Alguns receberam ameaças de morte, a imprensa tem dado conta de manifestações de anti-semitismo e de casos em que os guardas de sinagogas têm sido rudes com os judeus que ali vão rezar. O anti-semitismo é um problema na Turquia desde há muito tempo. Devido ao horror em Gaza, os judeus aqui têm-se mostrado muito mais prudentes e silenciosos.”
A Turquia tem servido de ponte nas negociações indirectas Israel-Síria, e o Presidente Abdullah Gül (não Erdoğan) tem procurado “renovar” o Hamas, tentando convencê-lo a transformar-se numa força política e a reconhecer o Estado judaico. No entanto “a última discussão emotiva [com Peres] sugere que o país ainda não tem maturidade suficiente” para ser mediador, diz Baydar.

(Fonte: Público)

1 comentário:

Ana Romao disse...

Olá Lidia.
Encontrei o teu blog por acaso e interessou-me bastante.
Estou a pensar ir a Istambul em finais de Fevereiro e gostava de saber como está a situação da Turquia relativamente aos turistas. Será seguro?
Cumprimentos