01 abril 2008

Tribunal Constitucional vai analisar pedido de ilegalização do partido no poder

O Tribunal Constitucional da Turquia aceitou examinar a petição entregue por um Procurador pedindo a ilegalização do partido no poder, acusado de actividades anti-laicas, e a suspensão da actividade política dos seus dirigentes, incluindo o actual primeiro-ministro.
A decisão de analisar as actividades do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) foi tomada por unanimidade entre os 11 juízes conselheiros do TC, reunidos, ontem de manhã, durante quase cinco horas na sede da instância. Foi ainda decidido, por maioria, incluir neste processo o Presidente da República, Abdullah Gül, que se desvinculou do partido desde que assumiu o cargo, mas que pertenceu durante anos aos quadros do AKP.
Em declarações aos jornalistas, o vice-presidente da instância, Osman Paksut, explicou que os juízes se limitaram a declarar que o recurso é admissível do ponto de vista formal, não tendo adoptado qualquer posição sobre o conteúdo do mesmo. Ainda assim, a iniciativa promete abrir um novo foco de tensão entre o AKP, um partido nascido nos meandros islamitas turcos, no poder desde 2002, e a elite militar e judicial do país, bastião do laicismo da República turca.
A petição no seio da discórdia foi apresentada, no passado dia 14, por Abdurrahman Yalçınkaya, procurador chefe do Tribunal de Recurso de Ancara, que acusa o AKP de se ter tornado “um foco de actividades contrárias à laicidade”, apresentando como exemplo o fim da lei que proibia o uso do véu islâmico nas universidades. Além da ilegalização do AKP, o procurador pede que 71 dos seus dirigentes sejam banidos da actividade política pelo prazo de cinco anos, incluindo Recep Tayyip Erdoğan, actual primeiro-ministro e líder do partido, e Abdullah Gül.
O tribunal vai analisar agora a questão de fundo, sendo que o AKP tem um mês para apresentar a sua defesa, um prazo que poderá ser prorrogado a pedido da formação.
Yalçınkaya apresentou a polémica petição semanas depois de o AKP, que detém maioria no Parlamento, ter aprovado uma reforma que autoriza o uso do véu islâmico nas universidades, pondo fim a uma proibição que durava há décadas. Desde então, várias universidades puseram em prática a nova legislação, mas algumas continuam a impedir as alunas de envergar o véu. Noutras instituições, os responsáveis adiantaram que vão manter a proibição até que a lei seja regulamentada, estipulando, por exemplo, se devem ser autorizados símbolos de um Islão mais radical como o chador (véu comprido que cobre a mulher dos pés à cabeça) ou a burqa (que tapa mesmo a cara).
A separação entre religião e política é um dos pilares da República turca, fundada após a I Guerra Mundial por Mustafa Kemal Atatürk, ainda que 99 por cento da população seja muçulmana.
Em 2002, a chegada ao poder do AKP, um partido conservador nascido nos meios islamitas turcos, desencadeou um conflito com as elites judiciais e militares, considerados os defensores da laicidade do Estado. Apesar de garantir que não pretende transformar a Turquia num Estado islâmico e das reformas que promoveu para aproximar o país da UE, o Governo de Erdoğan (cuja mulher enverga o véu islâmico) continua a ser acusado de ataques ao secularismo.
Na última década, o Tribunal Constitucional ilegalizou dois partidos islamitas (o Refah em 1998 e o Fazilet, em 2001), em cujos quadros militavam alguns dos actuais dirigentes do AKP.

(Fonte: Público)

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