21 outubro 2007

A Turquia decide hoje a eleição do presidente da República por voto universal


Três meses depois das eleições de 22 de Julho, que deram uma vitoria ao partido de orientação islâmica da Justiça e Desenvolvimento (AKP), a Turquia realiza hoje um referendo para a população decidir sobre as alterações controversas que o Governo pretende introduzir na Constituição, que incluem nomeadamente a eleição do presidente da República por voto universal.

As emendas à Constituição incluem a eleição do presidente da República por um mandato de cinco anos, com possibilidade de ser reeleito por mais cinco anos, o Parlamento passa a ter um mandato de quatro anos em vez dos actuais cinco, e o quórum do Parlamento passa de 367 para 184. Incluem ainda um artigo temporário que estipula que o 11º presidente será eleito por voto popular. No entanto, a 28 de Agosto o 11º presidente, Abdullah Gül, foi eleito pelo Parlamento. Apesar do AKP possuir larga maioria no Parlamento, não detém os dois terços necessários. Por diversas razões, outros partidos da oposição, como o nacionalista MHP, o nacionalista Curdo DTP e os Kemalistas nacionalistas do DSP, decidiram não se juntar ao CHP na sua tentativa de boiciotar mais uma vez o voto parlamentar e bloquear a eleição. Como resultado, o quórum exigido pelo Tribunal Constitucional foi atingido nessa altura.

O AKP esperava que o presidente Ahmet Necdet Sezer, que apoiou a campanha militar contra o AKP, levasse a proposta a referendo. Sezer enviou inicialmente a moção de volta para o Parlamento para nova votação, mas o AKP conseguiu que o pacote de emendas fosse aprovado com o apoio do Partido da Mãe Pátria (ANAVATAN) sem nenhumas alterações. O plano inicial do AKP era conduzir eleições nacionais e o referendo no mesmo dia. Para esse efeito, o AKP autorizou também uma lei que visava reduzir o período de tempo de realização do referendo, de 120 dias para 45 dias. Sezer, que declarou que a emenda constitucional é contra o sistema parlamentar turco e que podia causar instabilidade, usou todo o tempo legal para analisar a proposta e no final anunciou a realização de um referendo. De igual modo, também voltou a enviar a lei que consagrava a diminuição do período de tempo para realização de um referendo, de volta para o Parlamento, o que anulou a possibilidade de realização de um referendo antes das eleições de 22 de Julho. Mais de 150 deputados do AKP foram deixados de fora da lista eleitoral de Erdoğan, o que tornou impossível uma nova votação no Parlamento favorável ao AKP.

Na Turquia, o presidente nunca foi eleito por voto popular, mas escolhido pelo Parlamento, tal como o primeiro-ministro. O primeiro-ministro é tradicionalmente visto como o chefe do Governo eleito, enquanto que o presidente tem sido a "cabeça do Estado" e o "guardião da Constituição".
Desde a fundação da República em 1923 e até 1945, a Turquia foi o Estado de um só partido. Com o sistema multipartidário em 1946, o cargo do presidente passou a ser um cargo de representação civil. Depois do terceiro golpe militar, em 1980, os poderes do presidente aumentaram substancialmente. O presidente controlava nomeadamente juízes, procuradores públicos e reitores universitários. O general Kenan Evren, o líder do golpe militar de 1980, foi presidente até 1989. O seu sucessor, Turgut Özal, com um passado islâmico, foi ministro da Economia logo a seguir ao golpe militar e depois foi primeiro-ministro até 1989, altura em que substituiu o general Evren. Özal levou a cabo reformas de mercado ditadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e abriu a economia turca ao mercado mundial. A sua política estava em linha com os interreses militares da altura. Contudo, Özal mostrou-se relutante em apoiar totalmente a "guerra" do exército turco contra o PKK, em 1993, e preferiu alegadamente um compromisso com os Curdos nacionalistas. O exército não aceitou isso e Özal morreu nesse mesmo ano em circunstâncias desconhecidas.
Desde então e até aos nossos dias, o cargo do presidente tem estado firmemente nas mãos dos Kemalistas. A eleição directa do presidente iria aumentar grandemente o peso político civil, em deterimento do militar. O presidente poderia clamar legitimidade democrática e representar "toda a nação", em contraste com um Parlamento dominado por partidos políticos. Sem sombra de dúvida que um presidente eleito por sufrágio universal seria muito mais forte do que os seus antecessores, concentrando um poder considerável nas suas mãos.
A oposição kemalista ao Governo do AKP tem criticado a liderança do partido, e especialmente Erdoğan, por fazer alterações à Constituição, baseadas unicamente nas necessidades tácticas imediatas do AKP e com possíveis riscos futuros incalculáveis para o sistema como um todo.
Ver-se-ão quais as implicações políticas e legais deste referendo.

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